É um texto bastante oportuno para situar um pouco o
pano de fundo do golpe que acabou de
relativizar, ou melhor, suprimir, uma conquista que nunca foi bem a realidade
nacional.
Um Estado que se dedicou a atender as necessidades
de grande parcela da população, que sempre viveu à margem de tudo, pelo menos nos
últimos 350 anos de História.
Um sistema tão eficiente, para dizer o mínimo, que fez,
via meios de comunicação vendidos, bem como aliados a setores minoritários e
elitistas locais, com que grande parte da população se manifestasse, votasse e aplaudisse
um ‘estado de exceção’, absurdamente contra si mesma, contra seus próprios interesses.
É como disse o Noam Chomisk: “A população em geral não sabe o que está acontecendo, e nem
mesmo sabe que não sabe”.
Há um fato que deve preocupar todos os cidadãos do
mundo: o deslocamento do poder dos Estados-nações para o lado do poder de uns
poucos conglomerados financeiros que atuam a nível planetário, cujo poder é
maior que qualquer Estado tomado individualmente. Estes de fato detém o poder
real em todas as suas ramificações: financeira, politica, tecnológica,
comercial, mediática e militar.
Este fato vem sendo estudado e acompanhado por um
dos nossos melhores economistas, professor da pós-graduação de PUC-SP com larga
experiência internacional: Ladislau Dowbor. Dois estudos de
sua autoria resumem vasta literatura sobre o tema: “A rede do poder
corporativo mundial”de 4/01/2012 (http:/www.dowbor.org/wp) e o mais
recente de setembro de 2016: http://dowbor.org/2016/09/ladislau-dowbor-o-caótico-poder-dos-gigantes-financeiros-novembro-2015-16p.html//:
“Governança corporativa: o caótico poder dos gigantes financeiros.”
É difícil resumir a mole de informações que se
apresentam assustadoras. Dowbor sintetiza:
“O poder mundial realmente existente está em grande
parte na mão de gigantes que ninguém elegeu, e sobre os quais há cada vez menos
controle. São trilhões de dólares em mãos de grupos privados que têm como campo
de ação o planeta, enquanto as capacidades de regulação mundial mal engatinham.
Pesquisas recentes mostram que 147 grupos controlam 40% do sistema corporativo
mundial, sendo 75% deles bancos. Cada um dos 29 gigantes financeiros gera em
média 1,8 trilhão de dólares, mais do que o PIB do Brasil, oitava potência
econômica mundial. O poder hoje se deslocou radicalmente”(cf. Governança
corporativa op.cit)
Além da literatura específica, Dowbor se remete aos
dados de duas grandes instituições que se debruçam sistematicamente sobre os
mecanismos dos gigantes corporativos: o Instituto Federal Suíço de Pesquisa
Tecnológica (que rivaliza com o famoso MIT dos USA) e o banco Credit Suisse,
exatamente aquele que administra as grandes fortunas mundiais e que, portanto,
sabe das coisas.
Os dados aí arrolados por estas fontes são
espantosos: 1% mais rico controla mais da metade da riqueza mundial. 62
famílias têm um patrimônio igual à metade mais pobre da população da Terra. 16
grupos controlam quase a totalidade do comércio de commodities (grãos,
minerais, energia, solos, água). Pelo fato de os alimentos todos obedecerem às
leis do mercado, seus preços sobem e descem à mercê da especulação, tolhendo a
vastas populações pobres o direito de terem acesso à alimentação suficiente e
saudável.
Os 29 gigantes planetários, 75% são bancos a
começar pelo Bank of America e terminando com o Deutsche Bank, são tidos
como “sistemicamente importantes”, pois sua eventual falência (não
esqueçamos o maior deles, o norte-americano Lehamn Brothers que faliu) levaria
todo o sistema ao abismo ou próximo a ele, com consequências funestas para a
inteira humanidade. O mais grave é que não existe nenhuma regulação para o seu
funcionamento, nem pode haver, porquanto as regulações são sempre
nacionais e eles atual planetariamente. Não existe ainda uma governança mundial
que cuide não só das finanças, mas do destino social e ecológico da vida e do
próprio sistema-Terra.
Nossos conceitos se evaporam quando, nos recorda
Dowbor, se lê na capa do Economist que o faturamento da
empresa Black Rock é de 14 trilhões de dólares sendo que o PIB
dos USA é de 15 trilhões e do pobre Brasil mal alcança 1,6 trilhões de dólares.
Estes gigantes planetários manejam cerca de 50 trilhões de dólares, o
equivalente à totalidade da dívida pública do planeta.
O importante é conhecer o seu propósito e sua lógica:
visam simplesmente o lucro ilimitado Uma empresa de alimentos compra uma
mineradora sem qualquer expertise no ramo, apenas porque dá lucro.
Vejamos um caso que afeta o Brasil, o tremendo
desastre do vazamento de resíduos minerais no rio Doce pela Samarco em Minas
Gerais. Ela está dentro do jogo das corporações mundiais. A Samarco, relata-nos
Dowbor no estudo referido, é controlada pelo gigante mundial de base
australiana BHP Billiton e a Vale; esta, por sua vez, controlada pela Valepar
que, por sua vez vem controlada por grupos financeiros como o Bradesco.
A BHP Billiton, não está nem aí por aquilo que aconteceu com a poluição do rio
Doce, os estragos ecológicos e danos às populações. Seu interesse está num
outro negócio: comprar e vender empresas e com isso auferir bons lucros. A
opinião de um engenheiro que aconselha gastar um pouco mais para dar segurança
à barragem, não conta para nada, pois se trata de uma eventual externalidade
que não entra na contabilidade geral. E porque não foi ouvido, aconteceu aquilo
que conhecemos. A quem reclamar: a Samarco, à Valepar, à controladora geral que
está fora do Brasil, na Austrália, a H=BHP Billiton? Eis a razão porque tudo
demora ou pouca coisa acontece.
Disso tudo concluimos: não há nenhum sentido de
responsabilidade coletiva, de espírito humanitário como, por exemplo, tirar uma
pequeníssima parcela dos lucros para um fundo contra a fome ou a diminuição da
mortalidade infantil. Para eles, isso é tarefa do Estado e não para os
acionistas que só querem lucros e mais lucros.
Por esta razão, entre outras, entendemos
iracúndia sagrada do Papa Francisco contra um sistema que apenas quer a
acumulação à custa da pobreza das grandes maiorias e da degradação da natureza.
Uma economia, diz ele “que tem como centro o deus dinheiro e não a
pessoa: eis o terrorismo fundamental contra toda a humanidade” (no
avião regressando da Polônia em setembro). Chama-o em sua encíclica ecológica de
um sistema anti-vida e com tendência suicida (n.55).
Esse sistema é homicida, biocida, ecocida e
geocida. Como pode tanta desumanidade prosperar sobre a face da Terra e ainda
dizer: There is no Alternative “(TINA: Não há outra Alternativa)? A
vida é sagrada. E quando sistematicamente agredida, chega o dia em que ela se
vingará, destruindo aquele que a quer destruir. Esse sistema está buscando o
seu próprio fim trágico. Oxalá a espécie humana sobreviva à essa
irracionalidade que é uma verdadeira loucura.
Leonardo Boff escreveu Cuidar da Terra –
proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record 2010.
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