No
mínimo é uma forma de se inteirar como estas técnicas de manipulação dos corações
e mentes das pessoas, ou dos telespectadores, funcionam. Ninguém está a salvo,
mas, uma forma de quase se vacinar contra isso é saber o que de fato ocorre no momento
em que passivamente e, para muitos, lesamente, assiste aos jornais globos da
vida.
Entretanto,
a única forma de se vacinar, mesmo, é mudar de canal ou sair da sala de TV.
“Contra a corrupção e o governo” era a frase mais
repetida na cobertura das manifestações de domingo (15/3) na GloboNews. O
professor Guilherme Nery, da Universidade Federal Fluminense, notou a
insistência. Não era necessário ser estudioso do assunto, como ele, para
perceber a associação semântica: governo = corrupção, e vice-versa. “É gritante
a falta de responsabilidade”, concluiu.
Martelar uma ideia até que ela seja incorporada
pelo público e apareça como expressão espontânea – embora, ao contrário do que
se costuma pensar, nada seja, de fato, espontâneo, porque nada surge do nada –,
martelar uma ideia até transformá-la em suposta expressão espontânea de uma
legítima e inquestionável reivindicação é uma conhecida estratégia da
propaganda, que tem a ver com o conceito de “profecia autocumprida”. O sucesso
ou fracasso dependerá da predisposição do público em aceitar a ideia.
O jornalismo transformado em propaganda – esse que,
segundo a própria entidade representante das grandes empresas que o produzem,
anunciou que assumiria o papel que a oposição não estava conseguindo exercer –
tentou essa estratégia no caso do mensalão. Não teve êxito, pelo menos não
imediatamente: apesar de tudo, o PT venceu as eleições em 2010. Mas a
estratégia se manteve e agora, diante do escândalo da Petrobras, finalmente
parece render frutos.
Há fatores concretos para a revolta? Evidentemente
sim, e não é preciso ter estômago especialmente sensível para se chegar ao
limiar do vômito diante da platitude com que os envolvidos na Operação Lava
Jato expõem o sistema de distribuição de propinas milionárias. Mas imaginemos
como o público se comportaria se outros escândalos tivessem sido investigados:
o caso Sivam, a compra de votos para o segundo mandato de Fernando Henrique, a
privatização das teles, o caso Banestado...
O fio da meada
Lembrar esses episódios não significa tentar
minimizar ou diluir as atuais denúncias de corrupção, no velho estilo “sou, mas
quem não é?” – ou, como disse Lula quando percebeu que não poderia abafar a
história do mensalão, “sempre foi assim”, inclusive porque quem votou no PT
apostou na mudança. Significa oferecer argumentos para se entender por que “a
pecha de corrupto pegou mesmo no PT”, como certa vez comentou um membro do
governo, enquanto outros partidos posam de campeões da moralidade.
Se quisermos entender como o movimento
pró-impeachment ganhou as proporções atuais, precisaremos recuar até as
vésperas do segundo turno, em outubro do ano passado, quando a Veja
antecipou a distribuição de sua edição semanal para uma sexta-feira e saiu com
a famosa capa – pela qual foi condenada a oferecer direito de resposta –
acusando Dilma e Lula de saberem “de tudo”. (“Tudo”, como se recorda, era o
esquema de corrupção na Petrobras, e a denúncia se baseava em depoimento do
doleiro Alberto Youssef, pelo acordo de delação premiada.)
Naquela mesma sexta-feira, o jornalista Merval
Pereira, de O Globo,escreveu que, se comprovada a denúncia, “o
impeachment da presidente será inevitável, caso ela seja reeleita no domingo”.
Escreveu assim, no meio da coluna, como quem não quer nada, e ali plantou a
semente.
O desdobramento é conhecido: no domingo seguinte,
Dilma foi reeleita por pequena margem e já na segunda-feira um grupo saía às
ruas de São Paulo para pedir o impeachment. Trinta pessoas: uma irrelevância
que, entretanto, O Globo transformou em notícia. Ao mesmo tempo, a
eleição era posta sob suspeita pelo PSDB, que ensaiou um pedido de recontagem
de votos. Foi-se consolidando, entre os derrotados, o sentimento de que o
governo era espúrio e precisava ser derrubado. (Por Sylvia Debossan Moretzsohn)
No Observatório da Imprensa
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