domingo, 4 de outubro de 2015

‘A profecia autocumprida’, ou como são construídas as “unanimidades” na cabeça das pessoas pela TV golpista

No mínimo é uma forma de se inteirar como estas técnicas de manipulação dos corações e mentes das pessoas, ou dos telespectadores, funcionam. Ninguém está a salvo, mas, uma forma de quase se vacinar contra isso é saber o que de fato ocorre no momento em que passivamente e, para muitos, lesamente, assiste aos jornais globos da vida.

Entretanto, a única forma de se vacinar, mesmo, é mudar de canal ou sair da sala de TV.

“Contra a corrupção e o governo” era a frase mais repetida na cobertura das manifestações de domingo (15/3) na GloboNews. O professor Guilherme Nery, da Universidade Federal Fluminense, notou a insistência. Não era necessário ser estudioso do assunto, como ele, para perceber a associação semântica: governo = corrupção, e vice-versa. “É gritante a falta de responsabilidade”, concluiu.

Martelar uma ideia até que ela seja incorporada pelo público e apareça como expressão espontânea – embora, ao contrário do que se costuma pensar, nada seja, de fato, espontâneo, porque nada surge do nada –, martelar uma ideia até transformá-la em suposta expressão espontânea de uma legítima e inquestionável reivindicação é uma conhecida estratégia da propaganda, que tem a ver com o conceito de “profecia autocumprida”. O sucesso ou fracasso dependerá da predisposição do público em aceitar a ideia.

O jornalismo transformado em propaganda – esse que, segundo a própria entidade representante das grandes empresas que o produzem, anunciou que assumiria o papel que a oposição não estava conseguindo exercer – tentou essa estratégia no caso do mensalão. Não teve êxito, pelo menos não imediatamente: apesar de tudo, o PT venceu as eleições em 2010. Mas a estratégia se manteve e agora, diante do escândalo da Petrobras, finalmente parece render frutos.

Há fatores concretos para a revolta? Evidentemente sim, e não é preciso ter estômago especialmente sensível para se chegar ao limiar do vômito diante da platitude com que os envolvidos na Operação Lava Jato expõem o sistema de distribuição de propinas milionárias. Mas imaginemos como o público se comportaria se outros escândalos tivessem sido investigados: o caso Sivam, a compra de votos para o segundo mandato de Fernando Henrique, a privatização das teles, o caso Banestado...

O fio da meada

Lembrar esses episódios não significa tentar minimizar ou diluir as atuais denúncias de corrupção, no velho estilo “sou, mas quem não é?” – ou, como disse Lula quando percebeu que não poderia abafar a história do mensalão, “sempre foi assim”, inclusive porque quem votou no PT apostou na mudança. Significa oferecer argumentos para se entender por que “a pecha de corrupto pegou mesmo no PT”, como certa vez comentou um membro do governo, enquanto outros partidos posam de campeões da moralidade.

Se quisermos entender como o movimento pró-impeachment ganhou as proporções atuais, precisaremos recuar até as vésperas do segundo turno, em outubro do ano passado, quando a Veja antecipou a distribuição de sua edição semanal para uma sexta-feira e saiu com a famosa capa – pela qual foi condenada a oferecer direito de resposta – acusando Dilma e Lula de saberem “de tudo”. (“Tudo”, como se recorda, era o esquema de corrupção na Petrobras, e a denúncia se baseava em depoimento do doleiro Alberto Youssef, pelo acordo de delação premiada.)

Naquela mesma sexta-feira, o jornalista Merval Pereira, de O Globo,escreveu que, se comprovada a denúncia, “o impeachment da presidente será inevitável, caso ela seja reeleita no domingo”. Escreveu assim, no meio da coluna, como quem não quer nada, e ali plantou a semente.

O desdobramento é conhecido: no domingo seguinte, Dilma foi reeleita por pequena margem e já na segunda-feira um grupo saía às ruas de São Paulo para pedir o impeachment. Trinta pessoas: uma irrelevância que, entretanto, O Globo transformou em notícia. Ao mesmo tempo, a eleição era posta sob suspeita pelo PSDB, que ensaiou um pedido de recontagem de votos. Foi-se consolidando, entre os derrotados, o sentimento de que o governo era espúrio e precisava ser derrubado. (Por Sylvia Debossan Moretzsohn)

No Observatório da Imprensa


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