Documentário no Canal Curta/NET, da Globo, passou a história completa do
ocorrido, inclusive com depoimentos da esposa do Paulo Francis*, que afirma ter
sido o enfarto fatal que sofreu uma consequência direta do clima que se instalou
com o processo instaurado contra ele, por membros do governo fhc.
No documentário também mostra
o fhc dando uma desculpa esfarrapada
para justificar sua omissão, tanto em aferir a denuncia – que, é claro, ele devia
ser protagonista e beneficiário nos fatos denunciados – como de assumir corresponsabilidade
na autoria do processo mentiroso contra o Paulo
Francis.
Esta afirmação irresponsável
do procurador do MPF é, das duas
uma: uma total ignorância inconcebível para alguém em uma função assim, abrir a
boca para dizer besteira, ou a total aposta nos “coxinhas” de plantão – lesos como
são a maioria, que não têm ideia dos fatos – que vão delirar com esta asneira.
Tudo isso faz parte do concerto orquestrado para
inviabilizar não só o governo Dilma,
mas, sobretudo, para tentar impedir uma vitória eleitoral em 2017, que a julgar
por números do Ibope, hoje, o Lula levaria no primeiro turno.
"Paulo Francis denunciou
corrupção na Petrobras em 1996. Fhc se calou. Francis morreu de infarto
“Hoje capaz de pedir punição dos mais altos
hierarcas na Lava Jato, Fernando Henrique cruzou os braços em 1996, quando Paulo
Francis denunciou corrupção na Petrobrás e seu governo poderia virar alvo.
A convicção generalizada é que Francis estava
absolutamente correto em suas denúncias e, ameaçado por um processo de US$ 100
milhões na Justiça de Nova York, acabou sofrendo um infarto que provocou sua
morte.
Em 1996, o país tinha um presidente da
República eleito, Fernando Henrique Cardoso, empossado há dois anos no
Planalto, com apoio da mais fina flor do baronato brasileiro — e até uma fatia
potentados internacionais.
Tinha um vice, Marco Maciel, que trazia o apoio do
mundo conservador do PFL e dos herdeiros da ditadura. Também tinha um ministro
das Minas e Energia, Raimundo Mendes de Brito, afilhado de Antônio Carlos
Magalhães, vice-Rei da Bahia. Na Polícia Federal, encontrava-se Vicente
Chelloti como diretor. O procurador geral da República era Geraldo Brindeiro,
que logo faria fama como engavetador.
Nenhuma dessas autoridades veio a público para
esclarecer as acusações, fosse para mostrar que Paulo Francis tinha razão, ou
para dizer que estava errado. Ninguém correu riscos, não fez perguntas, nem
trouxe respostas, nem confrontou Joel Rennó, o presidente da Petrobras que
entrou com ação na Justiça contra o jornalista porque se considerou ofendido
pelas acusações.
Paulo Francis falou a verdade? Mentiu? Exagerou?
Estava de porre? Não sabemos.
A gravação está disponível na internet.
Referindo-se a contas secretas na Suíça, Paulo Francis fala com o desembaraço
de quem está fazendo delação premiada para o juiz Sergio Moro. Diz que “todos
os diretores da Petrobras têm conta lá”.
Alguns
jornalistas presentes dão sorrisos maliciosos. Nada que lembre a indignação de
hoje. Um deles adverte, sem que se possa ver seu rosto: “olha que isso dá
processo…” Em outro depoimento, também disponível na internet, Paulo Francis
afirma que os diretores da Petrobras são muito queridos na Suíça, onde têm
contas de 50 e 60 milhões de dólares.
Fernando
Henrique Cardoso não deixou sequer um palpite sobre o caso. Estimulado por José
Serra, o presidente mobilizou-se para convencer Joel Rennó para desistir da
ação.
E a
denúncia?
Se hoje
FHC enche o peito para dizer que a Justiça deve fazer aquilo que os militares
não podem mais, sem poupar os “mais altos hierarcas”, eufemismo para chegar a
Dilma e Lula, não custa perguntar por que se calou quando tinha vários
instrumentos do Estado na mão. Se hoje as denúncias são uma forma da oposição
tentar atingir Dilma, em 1996 e 1997 era seu governo que poderia se tornar
alvo.
Não
havia nada para ser investigado, nem para com auxílio da Justiça da Suíça?
Soube-se
ontem que, em 1997, o ano em que Paulo Francis morreu, o gerente da Petrobras
Pedro Barusco, que, em 2015, se tornaria um dos personagens principais do
inquérito da Lava Jato, já tinha um bom cargo na empresa. Naquele ano, passou a
receber, além do salário e demais benefícios legais, uma propina mensal entre
US$ 20 000 e US$ 50 000 de uma empresa holandesa com interesses específicos na
área sob seus cuidados.
Em
1998, pouco depois dos primeiros pagamentos feitos a Barusco, os interesses
privados, que no mundo inteiro são a mola principal de iniciativas de corrupção
em empresas estatais, ganhavam novo impulso na Petrobrás. Neste caso, FHC teve
um papel fundamental.
Num
decreto assinado por Fernando Henrique Cardoso, e preparado pela subchefia para
Assuntos Jurídicos da Presidência da República, cujo titular era Gilmar Mendes,
hoje ministro do STF, aprovou-se a criação de um “procedimento licitatório
simplificado da Petrobrás”. O texto do decreto 2.745 pretendia agilizar os
investimentos da empresa, o que não está errado, por princípio.
Mas o
procedimento “simplificado” está na origem intelectual do hoje célebre “clube
das empreiteiras,” denunciado em tom de escândalo.
Haviam
se passado apenas dois anos da acusação de Paulo Francis e a alteração
ocorrida não foi pequena. Em vez de submeter as obras milionárias da empresa as
disputas duras e complicadas de uma licitação pública, autorizou-se a chamada
de interessadas pelo sistema de carta-convite, o caminho mais fácil para a
seleção de amigos e exclusão de inimigos. É uma situação tão escandalosa que
nunca faltaram críticas ao decreto e mesmo ações questionando sua legalidade. O
decreto do “clube das empreiteiras” mantém-se em vigor através de liminares.
Uma delas, ironicamente, foi concedida pelo próprio Gilmar Mendes, que, já como
ministro do STF, julgou o trabalho da subchefia que estava sob sua guarda
quando servia ao governo FHC.
Em
vários países, as empresas estatais, particularmente de petróleo, vivem uma
situação contraditória. De um lado, expressam a vontade política de soberania
nacional — que justifica sua existência — diante de reservas de valor
estratégico.
De outro, são alvo permanente de pressões do setor privado,
interessado em transferir ganhos em escala formidável para seus cofres particulares.
O resultado é um universo de muita tensão.
A PDVSA
venezuelana foi ocupada, historicamente, pela elite econômica do país, aquela
que é conhecida por manter um patrimônio maior em Miami do que em Caracas.
Depois da posse de Hugo Chávez, cuja vitória criou uma situação política
inédita, a alta burocracia da empresa tornou-se aliada da oposição conservadora
e chegou a tentar promover um golpe de Estado, impedindo a distribuição de
petróleo num país onde o mais refinado produto local é a cerveja e depois o
refrigerante.
Na
Itália, a estatal ENI servia para enriquecer as campanhas da Democracia Cristã
e do Partido Socialista, num tempo em que o Partido Comunista era o demônio da
Guerra Fria. Após a Mãos Limpas, ocorreu um desfecho que vale como advertência
ao que pode se passar no Brasil, quando se recorda que o modelo de trabalho do
juiz Sergio Moro foi a operação italiana: a ENI foi privatizada — e não há
dúvida de que os escândalos e o trabalho de jornais e revistas ajudaram a
adoçar a ideia.
Num
país onde a Petrobras sempre foi alvo de ataque feroz por parte do empresariado
conservador e seus aliados externos, após a democratização não houve um governo
que não tivesse enfrentado uma investigação em torno de desvios e
irregularidades. (É certo como 2+2=4 que havia esquemas sob a ditadura, mas
nunca vieram a público).
Em
1989, no governo de José Sarney, a descoberta de um milionário esquema de
desvios que levou ao afastamento do presidente da BR Distribuidora e seu
principal auxiliar. Em 1992, uma tentativa de intervenção de PC Farias na
direção da empresa levou à saída do advogado Luiz Octávio da Motta Veiga, que
preferiu ir embora em vez de atender aos pedidos do tesoureiro de Fernando
Collor.
A ideia
de que os esquemas de corrupção na Petrobras nasceram a partir de 2003, com a
chegada de Luiz Inácio Lula da Silva no Planalto, é falsa, mas tem uma
utilidade política óbvia: ajuda a transformar uma operação policial num
instrumento de destruição política, cujo alvo final é o governo Dilma Rousseff
e o Partido dos Trabalhadores. Também permite acobertar responsabilidades
passadas, o que é sempre conveniente em campanhas de moralismo seletivo. Mas o
preço é apagar a memória histórica, o que impede qualquer debate sensato sobre
o caso.
Por
Paulo Moreira Leite
*O
Paulo Francis foi um dos fundadores do Pasquim e, à época, trabalhava na Globo
e na Folha de São Paulo
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