É um artigo já publicado aqui (27/09/15), mas
que consideramos bem oportuna a sua republicação em função dos ‘novos’ tempos
em que estamos vivendo, onde esta, categoria? Parece ter ‘andado’ a todo vapor
– com e eclosão do fenômeno do coxinismo – nos últimos tempos, quando
contribuiu para este estado de coisas que vem sobrando pra todo mundo,
inclusive, para eles próprios, daí a conveniência de darmos uma olhada.
Com a eclosão das manifestações, via meios de comunicação
usuais, que “deu no golpe” e pesquisa feita pelo
Reuters Institute e a Universidade de
Oxford sobre
credibilidade de meios de comunicação feita em 36 países ‘dando’ o
Brasil como o 2º entre os mais “crédulos”, e o previsível, tendo a globo como líder local,
um artigo assim se torna bem atual e oportuno.
Entretanto, apesar do “fenômeno coxinismo”
permanecer por aí... Firme e forte, o cenário pressupõe agravamento da situação
e mudanças... Prefiro colocar entre aspas.
Os autores Marcia Tiburi e
Rubens Casara, e o texto, dispensam maiores apresentações e comentários.
Confira!
"A arte de escrever para idiotas
A arte de
escrever para idiotas está evoluindo ao longo do tempo e seus artistas passam
da posição de retóricos de baixa categoria para príncipes dos meios de
comunicação de massa.
Em nossa cultura intelectual e jornalística surge
uma nova forma retórica. Trata-se da arte de escrever para idiotas que, entre
nós, tem feito muito sucesso. Pensávamos ter atingido o fundo do poço em termos
de produção de idiotices para idiotas, mas proliferam subformas, subgêneros e
subautores que sugerem a criação de uma nova ciência.
Estamos fazendo piada, mas quando se trata de
pensar na forma assumida atualmente pela “voz da
razão” temos que parar de rir e começar a pensar.
Artigos ruins e reacionários fazem parte de
jornais e revistas desde sempre, mas a arte de escrever para idiotas vem se
especializando ao longo do tempo e seus artistas passam da posição de retóricos
de baixa categoria para príncipes dos meios de comunicação de massa.
Atualmente, idiotas de direita tem mais espaço do que idiotas de esquerda na grande
mídia. Mas isso não afeta em nada a forma com que se pode escrever para
idiotas.
Diga-se, antes de mais nada, que o termo idiota
aqui empregado guarda algo de seu velho uso psiquiátrico. Etimologicamente,
“idiota” tem relação com aquele que vive fechado em si mesmo. Na psiquiatria, a
idiotia era uma patologia gravíssima e que, em termos sociais, podemos dizer
que continua sendo.
Uma tipologia psicossocial entra em jogo na
história, baseada em dois tipos ideais de idiotas: o idiota de raiz, dentre os
quais se destaca a subcategoria do idiota representante do conhecimento paranóico,
e o neo-idiota, com destaque para o “idiota” mercenário que lucra com a arte de
escrever para idiotas.
Vejamos quem são:
1- Idiota
de raiz é fruto de um determinismo: ele não pode deixar de ser
idiota. Seja em razão da tradição em que está inserido ou de um déficit
cognitivo, trata-se de um idiota autêntico.
O Idiota de raiz divide-se em três subtipos:
1. 1 – Ignorante
orgulhoso: não se abre à experiência do conhecimento. Repete
clichês introduzidos no cotidiano pelos meios de informação que ele conhece, a televisão
e os jornais de grande circulação, em que a informação é controlada. Sua
formação é “midiatizada”, mas ele não sabe disso e se orgulha do que
lhe permitem conhecer. No limite, o ignorante orgulhoso diz “sou fascista”, sem
conhecer a experiência do fascismo clássico da década de 30 e o significado
atual da palavra, assim como é capaz de defender sem razoabilidade alguma
ideias sobre as quais ele nada sabe. Um exemplo muito atual: apesar da
violência não ter diminuído nos países que reduziram a maioridade penal, a
ignorância da qual se orgulha o idiota, o faz defender essa medida como solução
para os mais variados problemas sociais. Ele se aproxima do “burro mesmo”
enquanto imita o representante do conhecimento paranóico, apresentados a
seguir.
1.2 – “Burro
mesmo”: não há muito o que dizer. Mesmo com informação por
todos os lados, ele não consegue juntar os pontinhos. Por exemplo: o “burro
mesmo” faz uma manifestação “democrática” para defender a volta da ditadura.
Para bom entendedor, meia palavra.
1.3 – Representante
do conhecimento paranóico: tendo estudado ou sendo autodidata,
o representante do conhecimento paranóico pode ser, sob certo aspecto, genial.
Freud comparava, em sua forma, a paranóia a uma espécie de sistema filosófico.
O paranóico tem certezas, a falta de dúvida é o que o torna idiota. Se
duvidasse, ele poderia ser um filósofo. O conhecimento paranóico cria monstros
que ele mesmo acredita combater a partir de suas certezas. O comunismo, o
feminismo, a política de cotas ou qualquer política que possa produzir um
deslocamento de sentido e colocar em dúvida suas certezas, ocupa o lugar de
monstro para alguns paranóicos midiaticamente
importantes.
Curioso é que o representante do conhecimento paranóico
pode parecer alguém inteligente, mas seu afeto paranóico o impede de
experimentar outras formas de ver o mundo, abortando a potência de
inteligência, que nele é, a todo momento, mortificada. Isso o aproxima do
“ignorante orgulhoso” e do “burro mesmo”.
Em termos vulgares e compreensíveis por todos: ele
é a brochada da inteligência.
2 – Neo-idiota:
o neo-idiota poderia não ser um idiota, mas sua escolha, sua adesão à tendência
dominante, o coloca nesse lugar. Não se pode esquecer que, além de cognitiva, a
inteligência é uma categoria moral. O neo-idiota não é apenas um idiota, mas
também um canalha em potencial.
Há dois subtipos de neo-idiota:
2.1 – O
“idiota” mercenário quer ganhar dinheiro. Ele serve aos interesses
dominantes, mas é um idiota como outro qualquer, porque não ganha tanto
dinheiro assim quando vende a alma.
Nessa categoria, prevalece o mercenário sobre o
idiota. Por isso, podemos falar de um idiota entre aspas. Ganha dinheiro
falando idiotices para os idiotas que o lerão. Seu leitor padrão divide-se
entre o “burro mesmo” e o “idiota cool”. Ele escreve aquilo que faz o “burro
mesmo” pensar que é inteligente. O idiota cool, por sua vez, se sente
legitimado pelo que lê. O que revela a responsabilidade do idiota mercenário no
crescimento do pensamento autoritário na sociedade brasileira.
Apresentar Homer
Simpson ou qualquer outro exemplo de “burro mesmo” como modelo ideal de
telespectador ou leitor é paradigmático nesse contexto.
2.2 – O “idiota
cool” lê o que escreve o idiota mercenário. Repete suas ideias
na esperança de ser aceito socialmente. De ter um destaque como sujeito de
ideias (prontas). Ele gosta de exibir sua leitura do jornal ou do blog e usa as
ideias do articulista (do representante do conhecimento paranóico ou do idiota
mercenário) para tornar-se cool. Ele segue a tendência dominante. Ao contrário
do “burro mesmo”, nele sobressai o esforço para estar na moda. Como,
diferentemente dos seus ídolos, ele não escreve em jornais ou blogs famosos,
ele transforma o Facebook e outras redes sociais no seu palco.
Diante disso, temos os textos produzidos a partir
da altamente falaciosa arte de escrever para idiotas. O sucesso que alcançam
tais textos se deve a um conjunto de regras básicas. Identificamos dez, mas a
capacidade para escrever idiotices tem se revelado engenhosa e não deve ser
menosprezada:
1- Tratar como idiota todo mundo que não concorda com as idiotices defendidas. O texto é construído a partir do narcisismo infantil do articulista. O autor sobressai no texto, em detrimento do argumento. Assim ele reafirma sua própria imagem desqualificando a diferença e a inteligência para vender-se como inteligente.
2- Não deixar jamais que seu leitor se sinta um idiota. Sustentar idiotices com as quais o leitor (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) se identifique, o que faz com que o mesmo se sinta inteligente.
3- Abordar de forma sensacionalista qualquer tema. Qualquer assunto, seja socialmente relevante ou não, acaba sendo tratado de maneira espetacularizada.
4- Transformar temas desimportantes em instrumentos de ataque e desqualificação da diferença. Por exemplo, a “depilação feminina” já foi um assunto apresentado de modo enervante, excitante, demonizante e estigmatizante. Nesse caso, o preconceito de gênero escondeu a falta de assunto do articulista.
5- Distorcer fatos históricos adequando-os às hipóteses do escritor. Em uma espécie de perversão inquisitorial, o acontecimento acaba substituído pela versão distorcida que atende à intenção do autor do texto para idiotas.
6- Atacar alguém. Este é um dos aspectos mais importantes da arte de escrever para idiotas. A limitação argumentativa esconde-se em ataques pessoais. Cria-se um inimigo a ser combatido. O inimigo é o mais variado, mas sempre alguém que representa, na fantasia do escritor, o ideal contrário ao dos seus leitores (os idiotas: o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool).
7- Reduzir tudo a uma visão maniqueísta. Toda complexidade desaparece nos textos escritos para idiotas. O mundo é apresentado como uma luta entre o bem e o mal, o certo e o errado, o comunismo e o capitalismo ou Deus e o Diabo.
8- Desconsiderar distinções conceituais. Nos textos escritos para idiotas, conservadores são apresentados como liberais, comunistas são confundidos com anarquistas, etc.
9- Investir em clichês e ideias fixas. Clichês são pensamentos prontos e de fácil acesso. Sem o esforço de reflexão crítica, os clichês dão a sensação imediata de inteligência. Da mesma maneira, o recurso às ideias fixas é uma estratégia para garantir a atenção do leitor idiota (o burro mesmo, o ignorante orgulhoso e o idiota cool) e reforçar as “certezas” em torno das hipóteses do escritor (nesse particular, Goebbels, o chefe da propaganda de Hitler, foi bem entendido).
10-Escrever mal. A pobreza vernacular e as limitações gramaticais são essências na arte de escrever para idiotas. O leitor idiota não pode ser surpreendido, pois pode se sentir ofendido com algo mais inteligente do que ele. Ele deve ser capaz de entender o texto ao ler algo que ele mesmo pensa ou que pode compreender. Deve ser adulado pela idiotice que já conhece ou que o escritor quer que ele conheça.
(Para além do que foi identificado acima, fica a questão para quem deseja escrever para idiotas: como atingir a pobreza essencial na forma e no conteúdo que concerne a essa arte?)
A arte de escrever para idiotas constitui parte
importante da retórica atual do poder. Saber é poder, falar/escrever é poder, e
o idiota que fala e é ouvido, que escreve e é lido, tem poder. O empobrecimento
do debate público se deve a essas “cabeças de papelão”, fato que é identificado
tanto por pensadores conservadores quanto por progressistas.
O grande desafio, portanto, maior do que o
confronto reducionista entre direita e esquerda, desenvolvimentistas e
ecologistas, governistas e oposicionistas, entre machistas e feministas, parece
ser o que envolve os que pensam e os que não pensam. Sem pensamento não há
diálogo possível, nem emancipação em nível algum.
Se não houver limites para a idiotice, ao
contrário da esperança que levou a escrever esse texto, resta isolar-se e
estocar alimentos.
Publicado em Revista Cult
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