"(...) Atribui-se a Roberto
Marinho, naquele momento, a afirmação de que a direita não elegeria mais
presidente, tendo, portanto que busca-lo em outro lado. A escolha recaiu sobre
FHC, que se prestou a renunciar ao programa social democrata originário dos
tucanos, para seguir a trilha das suas referências europeias...
A trajetória de FHC reflete o
desencontro definitivo das elites tradicionais brasileiras com o país e com o
seu povo. A vitória do Lula e a construção de um governo centrado na afirmação
dos direitos sociais da grande maioria da população, sempre marginalizada, tornou
o país menos injusto, menos desigual, menos imoral."
É uma
boa pincelada na história recente do país, que vai dar uma grande força para
entender o atual momento político pelo qual passa o Brasil. É a única saída,
buscar um pouco mais de informação além daquelas, ditas “informações”,
veiculadas – “pagas” – pela mídia tradicional, coadjuvantes que foram em sua
maioria em processo relativamente recente de ruptura institucional e
democrática, vulgo ditadura.
"FHC ou a tragédia da elite brasileira
O
Brasil saiu da ditadura como o país mais desigual do continente mais desigual do
mundo. O arrocho salarial, como o santo do “milagre econômico”, tinha promovido
o mais acelerado processo de acumulação de capital e de desigualdade social que
o pais já havia conhecido em toda a sua historia.
Tivemos
possibilidade de fazer com que a democratização não fosse simplesmente a
restauração do sistema político liberal, com a campanha das diretas. Tivesse
triunfado, Ulysses Guimarães teria grande possibilidade de, munido com o
programa de reformas estruturais do PMDB, dar um conteúdo econômico e social à
democratização.
A
derrota da campanha, somada à eleição pelo Colégio Eleitoral de um candidato
mais moderado – Tancredo -, além das contingencias que levaram a que Jose’
Sarney, em semanas, passasse de presidente do partido da ditadura a primeiro
presidente civil da democracia, limitaram a democratização na direção do que a
teoria do autoritarismo de FHC tinha pregado: apenas a desconcentração do poder
político em torno do executivo e a desconcentração do poder econômico em torno
do Estado. Essa versão precoce do neoliberalismo transformou a teoria do
autoritarismo – segundo a qual não tivemos ditadura, mas “situação autoritária,
uma espécie de ditabranda – na ideologia da transição conservadora no Brasil”.
O
fracasso do governo Sarney esgotou o impulso democrático, levando consigo ao
PMDB como partido da transição, seu programa de reformas e a liderança do
doutor Ulysses, permitindo que um “filhote da ditadura” impusesse outra agenda
ao pais. Carros produzidos no país como “carroças” e funcionários públicos como
“marajás” comandavam o marketing neoliberal do Collor.
Sua
queda não impediu o triunfo desse novo consenso. Atribui-se a Roberto Marinho,
naquele momento, a afirmação de que a direita não elegeria mais presidente,
tendo, portanto que busca-lo em outro lado. A escolha recaiu sobre FHC, que se
prestou a renunciar ao programa social democrata originário dos tucanos, para
seguir a trilha das suas referencias europeias: de François Mitterrand e de
Felipe Gonzalez, na reconversão neoliberal da social democracia.
No
país mais desigual do continente mais desigual, FHC se elegeu e se reelegeu
derrotando a centralidade da questão social proposta pelo Lula, pela do ajuste
fiscal. Foi eleito e reeleito – como seus correligionários latino-americanos na
mesma aventura: Carlos Menem, Alberto Fujimori, Carlos Andrés Peres, Carlos
Salinas de Gortari, Gonzalo Sanchez de Losada, entre outros, vários depostos
por corrupção, alguns dos quais foram parar na prisão -, até que, como eles,
FHC também se tornou o político mais rejeitado do país.
A
trajetória de FHC reflete o desencontro definitivo das elites tradicionais
brasileiras com o país e com seu povo. A vitória do Lula e a construção de um
governo centrado na afirmação dos direitos sociais da grande maioria da população,
sempre marginalizada, tornou o país menos injusto, menos desigual, menos imoral.
Mas
reconhecer essas realizações por parte da elite tradicional seria reconhecer o
seu fracasso, as suas responsabilidades na miséria e na pobreza acumuladas
frente à riqueza nas suas mãos. Não tiveram a grandeza de reconhecer como a
afirmação dos direitos das grandes maiorias pobres faz do Brasil um pais
melhor, uma sociedade mais integrada e mais justa. Fizeram como se nada de
importante estivesse passando no Brasil e se lançaram à tentativa de derrubar o
Lula por um impeachment em 2005.
FHC
estava à cabeça do golpe, pela sua incapacidade de reconhecer como seu projeto
de estabilidade monetária tinha se esgotado sem desembocar na melhoria social
do povo. Enquanto que o Lula teve a grandeza de reconhecer como a luta contra a
inflação e a estabilidade das contas públicas haviam sido incluídas no consenso
nacional e como deveriam ser incorporadas a seu programa de governo, mesmo
se em função da prioridade fundamental – as políticas sociais. A direita,
ao invés de reconhecer os avanços do governo Lula e incorpora-los, tratou de desconhecê-los,
de nega-los, e assim se desencontrou do povo e do país.
Foi
assim se reconfigurando a tragédia da elite tradicional brasileira, tentando
centrar no papel do Estado e na corrupção que traria, o centro dos problemas do
país, para acobertar os avanços sociais, tudo o que resta a fazer nesse campo e
como a centralidade da especulação financeira tira do país os recursos para
voltar a crescer e promover os direitos sociais de todos.
FHC
tornou-se a triste caricatura desse fracasso da velha elite brasileira. De
teórico da transição conservadora e de presidente de uma nota só – a
estabilidade monetária -, de social democrata a um reles neoliberal -,
tornou-se um golpista sem ideias e sem apoio popular. Quando até seus gurus
europeus da social democracia francesa e espanhola reconhecem os méritos do
Lula e do PT, ele se isola na medíocre pregação golpista e no apoio às direitas
trogloditas da Argentina e da Venezuela, ao lado dos seus aliados fieis, os
decrépitos do DEM.
Preferem
tentar destruir o país, mediante um impossível golpe do impeachment ou fazê-lo
sangrar até a exaustão, a reconhecer seu fracasso. Fracasso na ditadura
militar, fracasso na transição democrática conservadora, fracasso no
neoliberalismo, fracasso nas tentativas de restauração conservadora.
A
tragédia da trajetória de FHC resume, de forma exemplar, o fracasso da elite
tradicional brasileira diante de um país que teve revelado todo o seu potencial
com o governo Lula e que busca seu reencontro com esse caminho, derrotando, uma
vez mais, a FHC e a direita brasileira.
Por Emir Sader
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