Este artigo analisa o papel dos intelectuais em desafios históricos
recentes na América Latina, notadamente sul-americanos, chamando a atenção para
o pouco ou quase nenhum engajamento dos mesmos neste momento crítico de crise
do capitalismo internacional e dos desafios postos, como é o caso do Brasil, com
o enfrentamento e a resistência para não sucumbir às velhas regras e ditames do
neoliberalismo.
O cotidiano no Brasil é um exemplo claro disso, com a mídia local agindo
como ponta de lança destes interesses, respaldando os agentes travestidos de
políticos preocupados com a governabilidade, que vêm tentando criar factoides com os
quais possam provocar uma ruptura institucional como uma chance para dar uma cartada
final neste projeto progressista, nacional de fato, e emplacar o retrocesso nas
conquistas tão caras feitas – e que estão sendo sustentadas – nos mandatos Lula/Dilma.
"Dilemas da intelectualidade latino-americana
Nos momentos mais importantes da historia latino-americana houve, paralelamente,
uma participação significativa da intelectualidade do continente, com renovação
de problemáticas e contribuições decisivas para os processos políticos. Isso
ocorreu, por exemplo, nos anos 1920 e, especialmente 1930, assim como, mais
tarde, nas décadas de 1950 e 1960.
No Brasil, por exemplo, foram, no primeiro período, os momentos
das obras de Caio Prado Jr., de Sergio Buarque de Holanda, de Gilberto Freire.
No segundo, de autores como Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes,
Milton Santos, Ruy Mauro Marini, entre outros.
Não há duvida de que o continente voltou a viver, desde a primeira
década deste século, um novo período histórico importante. Depois da dominação
do pensamento único, correlato da hegemonia neoliberal, houve uma recuperação
histórica em países com governos progressistas, impondo políticas
anti-neoliberais.
É um processo contraditório com o movimento do capitalismo em
escala global. Ao contrário dos períodos anteriores, em que havia uma
compatibilização entre os processos progressistas a nível nacional e a dinâmica
do capitalismo em escala mundial.
Os processos atuais são contraditórios, porque buscam retomar
ciclos expansivos da economia, com distribuição de renda, a partir dos enormes
retrocessos das décadas anteriores, marcadas pela crise das dividas, por
ditaduras militares e por governos neoliberais. Houve processos de
desindustrialização, de avanço do peso da produção de soja pelo agronegócio, de
fragmentação social, de aceleração da concentração de renda, entre outros
fenômenos negativos.
A construção dos governos pós-neoliberais foi condicionada por
esses fatores, que se tornaram ainda mais problemáticos quando o capitalismo
internacional, a partir de 2008, entrou em um longo e profundo ciclo recessivo,
afetando as possibilidades de crescimento das economias do continente. Ao
contrário de outras crises, desta vez houve capacidade de resistência, embora
os efeitos recessivos não deixem de afetar as nossas economias.
Processos tão complexos, que se desenvolvem na contramão das
tendências dominantes do capitalismo mundial, necessitam, mais do que em
qualquer outro momento, das contribuições da intelectualidade latino-americana.
Mas essas contribuições dependem de uma compreensão precisa da natureza do
período histórico atual, dos governos pós-neoliberais e das suas lideranças –
Hugo Chávez, Lula, Nestor e Cristina Kirchner, Evo Morales, Rafael Correa, Pepe
Mujica, para citar as mais expressivas.
Mas uma parte importante da intelectualidade latino-americana não
está engajada em apoiar esses governos a resolver dilemas atuais e projeções de
futuro. Alguns se isolam dos processos históricos concretos, ao assumir uma
postura intelectualista, incapaz de captar as novidades da realidade concreta,
tornando-se impotentes para contribuir para os processos políticos concretos.
Outros ficam encerrados nos muros das instituições acadêmicas,
voltados para as problemáticas dissociadas da realidade externa, presos às
dinâmicas institucionais. Situação que se agrava porque uma instituição que
havia tido, nos anos anteriores um papel mobilizador e politizador no meio
intelectual, como Clacso, que tinha desempenhado papel importante na esfera política
e intelectual, entrou em uma fase radicalmente oposta, de burocratização e de
despolitização, desaparecendo tanto da esfera política, como da intelectual.
Os dilemas enfrentados pelos governos progressistas demandam novas
reflexões – como as desenvolvidas, por exemplo, por Álvaro García Linera, entre
outros –, requerem um movimento de renovação da reflexão intelectual, que hoje
se dão mais diretamente a partir de iniciativas de governos – como o argentino,
o boliviano, o equatoriano –, que interpelam a intelectualidade a partir da
realidade concreta, do que das formas tradicionais de organização da
intelectualidade latino-americana.
De Emir Sader
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