Paulo Robin Krugman é um economista norte-americano, vencedor do Nobel de Economia de 2008. Autor de diversos livros é colunista do The New York Times desde 2000. Atualmente é professor de Economia e Assuntos Internacionais na Universidade Princeton.
Em
2014, a crescente desigualdade nos países desenvolvidos recebeu finalmente a
atenção devida quando O Capital no século XXI, de Thomas Piketty, se
transformou em um inesperado (e merecido) sucesso de vendas. Os desconfiados
habituais insistem em sua lucrativa negação, mas é evidente para todos os
demais que a renda e a riqueza estão mais concentradas no extremo superior do
que jamais estiveram desde a Belle Époque, e que a tendência não dá mostras de
atenuar.
Mas
essa história fala do que ocorre dentro dos países, e portanto, é incompleta. A
verdade é que é preciso completar a análise ao estilo Piketty com uma visão
global, e eu diria que, ao fazê-lo, percebe-se melhor o bom, o mau, e o
potencialmente muito ruim do mundo em que vivemos.
Deste
modo, permitam-me sugerir-lhes que deem uma olhada em um excelente gráfico do
aumento das rendas no mundo elaborado por Branko Milanovic, do Centro de
Pós-Graduação da Universidade da Cidade de Nova York (à qual me incorporarei
nesse verão).
O que
Milanovic mostra é que aumento das rendas desde a queda do Muro de Berlim tem
sido uma história de “torres gêmeas”. É certo que as rendas cresceram muito a
medida em que as elites do mundo ficavam mais e mais ricas. Mas também
ocorreram benefícios enormes para o que podemos denominar de classe média
mundial, formada em grande parte pelas cada vez mais numerosas classes médias
da China e da Índia.
E
digamos claramente: o aumento das rendas nos países emergentes gerou enormes
melhorias no bem-estar humano, ao tirar centenas de milhões de pessoas da
pobreza agonizante e dar-lhes uma oportunidade de ter uma vida melhor.
E
agora, as más notícias. Entre essas duas torres gêmeas (a elite mundial cada
vez mais rica e a crescente classe média chinesa) encontra-se o que podemos
chamar do vale do desespero. Para as pessoas ao redor do percentual 20 da
distribuição de renda mundial, as rendas cresceram, se tanto, a um ritmo lento.
E quem é essa gente? Basicamente, as classes trabalhadoras dos países
desenvolvidos. E ainda que os dados de Milanovic cheguem somente até 2008,
podemos estar certos de que, desde então, esse grupo até mesmo piorou, golpeado
pelos efeitos do elevado desemprego, o congelamento dos salários e as políticas
de austeridade.
E
mais, o esforço dos trabalhadores dos países ricos é, em vários importantes
sentidos, a outra face das rendas por cima e por baixo deles. A competitividade
das exportações das economias emergentes sem dúvida tem sido um fator para a
queda dos salários nos países mais ricos, ainda que não tenha sido a força
dominante. Mais importante é que o aumento da renda na parte de cima foi obtido
em grande parte espremendo os que estão por baixo reduzindo os salários,
cortando os benefícios sociais, esmagando os sindicatos e desviando uma parte
cada vez maior dos recursos nacionais para as negociatas financeiras.
E,
talvez ainda mais importante, os ricos exercem uma influência enormemente
desproporcional sobre a política. As prioridades das elites – a preocupação
obsessiva pelos déficits orçamentários, com a consequente suposta necessidade
de cercear os programas públicos – contribuíram em grande parte para aumentar o
vale do desespero.
Desse
modo, quem defende os que ficaram para trás nesse mundo de torres gêmeas? Era
de se esperar que os partidos convencionais de esquerda adotassem uma atitude
populista em nome das classes trabalhadoras de seus países. Mas, pelo
contrário, o que vimos – por parte de líderes que vão desde François Hollande
na França a Ed Miliband na Grã-Bretanha, e, também, o presidente Obama – é um
reles balbucio. (Obama, na verdade, fez muito pelos trabalhadores
norte-americanos, mas é costumeiramente impedido na hora de vender suas
conquistas).
Eu
diria que o problema com esses líderes convencionais é que não se atrevem a
desafiar as prioridades das elites, em particular sua obsessão pelos déficits
públicos, por medo de serem considerados irresponsáveis. E isso deixa o campo
livre aos líderes não-convencionais – alguns deles seriamente alarmantes – que
estão dispostos a solucionar a indignação e o desespero das pessoas
necessitadas.
Os esquerdistas
gregos que podem chegar ao poder no final desse mês são provavelmente os menos
perigosos de todos, ainda que suas exigências para o perdão da dívida e que se
ponha fim à austeridade possam provocar tensão com Bruxelas. Em outros lugares,
entretanto, observamos a ascensão de partidos nacionalistas e contrários aos
imigrantes, como a Frente Nacional na França ou o Partido da Independência do
Reino Unido (UKIP, na sigla em inglês) na Grã-Bretanha. E existem pessoas ainda
piores esperando nos bastidores.
Tudo
isso faz pensar em algumas analogias históricas desagradáveis. Recordemos que
essa é a segunda vez que experimentamos uma crise financeira global seguida por
uma recessão prolongada em todo o mundo. Na época, como agora, qualquer
resposta eficaz à crise foi bloqueada pelas elites que exigiam orçamentos
equilibrados e moedas estáveis. E o resultado final foi deixar o poder nas mãos
de pessoas, por assim dizer, não muito agradáveis.
Não
estou insinuando que estamos em vias de repetir ao pé da letra a década de
1930, mas afirmaria que os líderes políticos e de opinião precisam enfrentar o
fato de que nosso sistema mundial atual não está funcionando bem para todos. É
fantástico para a elite e tem sido muito positivo para os países emergentes,
mas o vale do desespero é algo muito real. E vão acontecer coisas ruins se não
fizermos algo a respeito. (publicado no El
País)
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