(...) As presunçosas empresas de publicidade e marketing pensam pelo candidato,
sopram-lhe cada palavra, determinam-lhe os gestos, a roupa, o penteado. A internet
trouxe as ferramentas instantâneas para mais propaganda e para as baixezas da
disputa. Por que tantos meses de campanha, então? (...)
Ainda a
cinco meses das urnas, nem feitas as convenções partidárias que oficializem as
candidaturas, já estamos em plena campanha eleitoral. Nem sequer começou há
pouco, vindo em aceleração crescente desde ao menos três meses. É um processo
alucinado, já pelas irreprimidas violações à legislação eleitoral, mas,
sobretudo, pelos enormes danos. Inclusive o de deformações antecipadas do
governo a surgir.
A recusa
de reforma política e de uma reforma eleitoral verdadeira e rigorosa é uma
traição de muitos autores ao presente e ao futuro da democracia no Brasil.
Depois de sê-lo ao passado pós-ditadura.
A
dimensão geográfica do país traz, em princípio, dificuldades grandes a
campanhas menos longas de candidatos à Presidência. Mas, com a intensidade de
seus roteiros de visitas e comícios em três, quatro cidades por dia, Juscelino,
Juarez, Jânio, Lott e outros percorreram o eleitorado em todos os quadrantes,
antes de 64, nas campanhas concentradas entre dois e, no máximo, três meses.
De lá
para cá, a TV é, para os candidatos, como uma viagem ao país todo em um mesmo
tempo. Viagem repetida várias vezes ao dia pelos telejornais. E outra grande
viagem, no horário eleitoral dito gratuito, paga pelos cidadãos, satisfeitos ou
não com os candidatos oferecidos. Os jatinhos tornaram velozes e luxuosamente
cômodas as viagens que são feitas só para as aparências de campanha com povo.
As presunçosas empresas de publicidade e marketing pensam pelo candidato,
sopram-lhe cada palavra, determinam-lhe os gestos, a roupa, o penteado. A internet
trouxe as ferramentas instantâneas para mais propaganda e para as baixezas da
disputa. Por que tantos meses de campanha, então?
A duração
das campanhas traduz-se em custos. Os custos exigem arrecadação. A arrecadação
volumosa é obtida das empresas, dos setores e dos financeiramente poderosos que
têm interesses projetados por antecipação nas políticas e concessões do futuro
governo. E de bancadas no Senado e na Câmara capazes de dar favorecimento legal
a tais interesses, políticas e concessões. O país e as aspirações da sociedade
não entram nesse capítulo.
A
modalidade das campanhas longas, e seu consequente custo, é uma das causas mais
fortes da política rasteira e corrompida que se vê hoje no Brasil, nada
movendo-se na sociedade, nem na própria política, para corrigi-la. Os poderes
provenientes dessas eleições formam-se já comprometidos ou, nos melhores casos
individuais, condicionados pela degradação à sua volta.
Em termos
econômicos e administrativos, os efeitos deletérios das campanhas longas têm um
exemplo na sucessão de Fernando Henrique, nas eleições de 2002. Se bem que a
campanha não fosse tão longa quanto a atual começa a ser. Mas foi o suficiente
para perturbar mais o governo entre a situação econômica que se deteriorava,
com o Real ameaçado pela volta crescente da inflação, e os seus objetivos
eleitorais, de não prejudicar José Serra e não favorecer Lula. Prejudicado
ficou o país, com a deterioração econômica e a alta inflacionária, cabendo ao
governo Lula o desacreditado crédito de salvar o Real.
Os
componentes objetivos da já agressiva campanha atual são outros. Mas os
ingredientes são similares, quando não são os mesmos. Tudo no Congresso, ou na
política em geral, e nos meios de comunicação, se relaciona com a eleição
presidencial. O governo tem dificuldade de agir, de ser governo, no jogo das
circunstâncias. Prejudicado é o país, perde a sociedade.
E tudo
continuará igual para daqui a quatro anos.
Janio de Freitas, colunista e membro
do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes
jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões
políticas e econômicas. Escreve aos domingos, terças e quintas-feiras.
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