domingo, 4 de maio de 2014

“Uma grande traição”. Análise de Janio de Freitas sobre o porquê da política, de fato, “não andar” no país


(...) As presunçosas empresas de publicidade e marketing pensam pelo candidato, sopram-lhe cada palavra, determinam-lhe os gestos, a roupa, o penteado. A internet trouxe as ferramentas instantâneas para mais propaganda e para as baixezas da disputa. Por que tantos meses de campanha, então? (...)

Ainda a cinco meses das urnas, nem feitas as convenções partidárias que oficializem as candidaturas, já estamos em plena campanha eleitoral. Nem sequer começou há pouco, vindo em aceleração crescente desde ao menos três meses. É um processo alucinado, já pelas irreprimidas violações à legislação eleitoral, mas, sobretudo, pelos enormes danos. Inclusive o de deformações antecipadas do governo a surgir.

A recusa de reforma política e de uma reforma eleitoral verdadeira e rigorosa é uma traição de muitos autores ao presente e ao futuro da democracia no Brasil. Depois de sê-lo ao passado pós-ditadura.

A dimensão geográfica do país traz, em princípio, dificuldades grandes a campanhas menos longas de candidatos à Presidência. Mas, com a intensidade de seus roteiros de visitas e comícios em três, quatro cidades por dia, Juscelino, Juarez, Jânio, Lott e outros percorreram o eleitorado em todos os quadrantes, antes de 64, nas campanhas concentradas entre dois e, no máximo, três meses.

De lá para cá, a TV é, para os candidatos, como uma viagem ao país todo em um mesmo tempo. Viagem repetida várias vezes ao dia pelos telejornais. E outra grande viagem, no horário eleitoral dito gratuito, paga pelos cidadãos, satisfeitos ou não com os candidatos oferecidos. Os jatinhos tornaram velozes e luxuosamente cômodas as viagens que são feitas só para as aparências de campanha com povo. As presunçosas empresas de publicidade e marketing pensam pelo candidato, sopram-lhe cada palavra, determinam-lhe os gestos, a roupa, o penteado. A internet trouxe as ferramentas instantâneas para mais propaganda e para as baixezas da disputa. Por que tantos meses de campanha, então?

A duração das campanhas traduz-se em custos. Os custos exigem arrecadação. A arrecadação volumosa é obtida das empresas, dos setores e dos financeiramente poderosos que têm interesses projetados por antecipação nas políticas e concessões do futuro governo. E de bancadas no Senado e na Câmara capazes de dar favorecimento legal a tais interesses, políticas e concessões. O país e as aspirações da sociedade não entram nesse capítulo.

A modalidade das campanhas longas, e seu consequente custo, é uma das causas mais fortes da política rasteira e corrompida que se vê hoje no Brasil, nada movendo-se na sociedade, nem na própria política, para corrigi-la. Os poderes provenientes dessas eleições formam-se já comprometidos ou, nos melhores casos individuais, condicionados pela degradação à sua volta.

Em termos econômicos e administrativos, os efeitos deletérios das campanhas longas têm um exemplo na sucessão de Fernando Henrique, nas eleições de 2002. Se bem que a campanha não fosse tão longa quanto a atual começa a ser. Mas foi o suficiente para perturbar mais o governo entre a situação econômica que se deteriorava, com o Real ameaçado pela volta crescente da inflação, e os seus objetivos eleitorais, de não prejudicar José Serra e não favorecer Lula. Prejudicado ficou o país, com a deterioração econômica e a alta inflacionária, cabendo ao governo Lula o desacreditado crédito de salvar o Real.

Os componentes objetivos da já agressiva campanha atual são outros. Mas os ingredientes são similares, quando não são os mesmos. Tudo no Congresso, ou na política em geral, e nos meios de comunicação, se relaciona com a eleição presidencial. O governo tem dificuldade de agir, de ser governo, no jogo das circunstâncias. Prejudicado é o país, perde a sociedade.

E tudo continuará igual para daqui a quatro anos. 

Janio de Freitas, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa com perspicácia e ousadia as questões políticas e econômicas. Escreve aos domingos, terças e quintas-feiras.

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