quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Quem é quem na bancada evangélica, entre aspas, com este poder de fogo no Congresso Nacional

O conservadorismo, ou melhor dizendo, o retrogradismo militante, que parece vir pautando decisões importantes no Congresso Nacional, sobretudo no pós-golpe, e é fato que capitaneado por hostes religiosas, notadamente da bancada evangélica. Pelo menos é assim que vem ficando mais evidente.

Entretanto, nessa entrevista abaixo com a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Maria das Dores Campos Machado, especialista em sociologia da religião, você vai conferir que eles, o evangélicos, são apenas os mais “aparecidos”, já que outras ‘cores religiosas’ fazem coro com as demandas e, ao que tudo indica, são majoritárias, embora insistam em permanecer ocultas. Pelo menos para a mídia usual ou ela, a mídia, prefere fazer ‘onda’ com o etilo mais agressivo dos evangélicos.
Bolsonaro, cuidando dos votos
Esta ‘bancada religiosa’ fechada com o golpe – lembra-se do Cunha? – e fechada na linha de frente com os retrocessos que o interino vem tentando promover na legislação do país, notadamente na área previdenciária e trabalhista.

As vitórias no campo moral e social são uma bandeira cara a esses segmentos que atuam no contexto de exceção, de atentado as liberdades individuais e a preceitos Constitucionais.
O grave é que, ainda, não pararam com seu retrogradismo moral e cívico e a continuar esta situação de exceção, de atentado à democracia de fato em todas as suas instâncias, “muita coisa descerá pelo ralo”.

Isso para ficarmos apenas nestes aspectos, sem entrarmos no mérito dos retrocessos para o Brasil como um todo – econômico e patrimonial, digamos assim – já que o golpe foi feito com este propósito e está aí seguindo o script.
“Os parlamentares religiosos tendem a ser mais conservadores do que a população evangélica”
Para especialista em sociologia da religião, as vitórias no campo moral conseguidas pelos evangélicos se devem a alianças com católicos e espíritas.

Nos últimos anos, a atuação da bancada evangélica na Câmara dos Deputados tem se mostrado com bastante força no noticiário nacional. Eles conseguiram avançar em propostas mais conservadoras, como a retirada da palavra "gênero" no Plano Nacional de Educação, realizaram audiências e comissões para tentar barrar qualquer direito da comunidade LGBT e das mulheres. Mas, para a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Maria das Dores Campos Machado, especialista em sociologia da religião, o grupo parece ter mais força do que realmente tem. Segundo ela, as vitórias dos religiosos se devem a alianças feitas com parlamentares católicos e espíritas.

Pergunta. Qual o peso da bancada evangélica no Congresso?

Resposta. A primeira coisa a dizer é que quando você entra no site da Frente Parlamentar Evangélica você vê 193 nomes. Mas ali tem o nome de todo mundo que assinou para se criar a Frente Parlamentar Evangélica. Tem vários católicos, por exemplo. Os evangélicos assinam também para outros, como a Frente Parlamentar Católica, a da Segurança Pública etc. Para o público em geral aparece como se eles tivessem um peso muito grande, mas eles não têm. Os evangélicos são hoje 16% do Congresso, mas aparecem com essa força toda porque são muito articulados e assertivos, têm uma postura muito beligerante e fazem aliança com vários segmentos que também são conservadores, o que fez com que eles, nos últimos anos, se fortalecessem. Principalmente depois que o Marcos Feliciano foi para a presidência da Comissão de Direitos Humanos, e o Eduardo Cunha para a presidência da Câmara.

P. É por causa das parcerias que eles conseguem pautar seus temas de interesse

R. Quando eles se unem com os católicos e com os espíritas aí eles conseguem barrar pautas que atrapalham as demandas do movimento feminista e LGBT. O conservadorismo moral que tem dentro do Congresso Nacional se deve às articulações de diversos grupos religiosos. Os evangélicos têm aparecido como mais visíveis apenas porque eles se colocam claramente como evangélicos. Os católicos não fazem isso. Mas existem muito mais parlamentares católicos do que evangélicos.

P. Por que os católicos não se colocam como católicos?

R. A grande diferença é que entre os católicos o números de sacerdotes é muito pequeno no Congresso. No caso dos pastores, eles são muito mais representados. No caso dos evangélicos você tem um grande contingente de parlamentares que são autoridades religiosas e essas pessoas tendem a ser mais conservadoras do que a população evangélica fora do Congresso. As pesquisas têm indicado uma certa cristalização do conservadorismo daqueles que estão no parlamento. É como se eles ali tivessem que aproveitar o nicho conservador para maximizar o seu capital político. Aqueles políticos que estão no Congresso Nacional são, inclusive, mais conservadores do que os pastores de igreja que estão fora do Congresso.

P. Por que a religião evangélica cresceu tanto, especialmente entre os mais pobres?

R. Temos um país com uma desigualdade econômica imensa e pouquíssima presença do Estado nas periferias urbanas, onde os serviços públicos são extremamente deficitários. Especialmente na questão de saúde e de assistência social. É uma população extremamente carente de bens materiais e equipamentos urbanos e não tem para onde recorrer em caso de dificuldades. Você vê no Rio de Janeiro, por exemplo, que é uma cidade extremamente violenta: no momento de um tiroteio o que está aberto para a população é a porta das igrejas pentecostais. Eles oferecem um espaço público, de acolhimento, que vai, de uma certa maneira, preencher um vazio deixado pelo Estado. A igreja católica quando muito tem uma porta na sacristia aberta. As portas abertas são as da Universal, da Assembleia de Deus. É nesses lugares que a população carente encontra alguma acolhida e alguma possibilidade de construir uma rede social. Essas igrejas atraem principalmente mulheres, que estão ou na frente de chefia de família, ou que têm casos de banditismo ou alcoolismo dentro da família. Não têm espaço onde possam falar dos seus problemas e ser acolhidas e encaminhadas por um serviço de apoio e de assistência social.

P. A promessa de resolução de problemas é um fator de atração também?

R. Muito grande. Isso é poderosíssimo. Há a televisão como o fator de divulgação dessas promessas, com programas que trazem testemunhos de pessoas que conseguiram resolver os seus problemas, que falam de experiências de extrema adversidade ou de violência doméstica, doença. O tema da saúde é algo muito frequente. E, ao mesmo tempo, os cultos também têm efeitos terapêuticos. O culto da Universal, por exemplo, tem a música, a dança, a palma, o que faz as pessoas botarem para fora uma energia que está acumulada. Depois de duas horas de culto ela começa a se sentir melhor. As igrejas pentecostais trabalham muito elementos simbólicos e mágicos: uma lâmpada que eles pedem para o fiel levar e ser benzida para colocar no teto de casa e iluminar a família inteira. Gera uma expectativa. As mulheres também são muito estimuladas a sair do choro e da reclamação. Elas são estimuladas a entrar para o mercado informal de trabalho. Até porque os pastores querem o dízimo, então eles querem que as pessoas tenham uma forma de ganhar alguma coisa. Acaba gerando nelas um sentimento de certo empoderamento.

P. A linguagem dos pastores também é um atrativo?

R. Isso é uma outra questão interessante: os fiéis veem no púlpito uma pessoa muito parecida com ela mesma. Você tem pretos e pardos também no púlpito, que é uma coisa que não há na igreja católica. Temos pouquíssimos sacerdotes negros na igreja católica. No caso dos pentecostais há uma identificação por classe, muitas vezes por etnia. E o tipo de oratória é muito próximo desta camada social.

P. E por que as lideranças se interessaram por entrar na política?

R. Há uma articulação de interesses. Estar na política permite aos diferentes segmentos sociais uma série de prerrogativas. Abre porta para uma série de coisas. A primeira delas é a proteção. A ideia deles é que eles precisariam estar presentes na esfera da política para serem ouvidos e respeitados e buscarem uma certa legitimidade. A capacidade de influenciar na sociedade aumenta muito quando se está na política e quem está na política consegue ter acesso a uma série de parcerias com o Estado. Consegue concessão de rádio, de televisão, na área da ação social.

P. E como se deu esse grande crescimento no número de parlamentares?

R. Desde os anos 80, principalmente com a Constituinte, vem crescendo. Em 86 eles eram quase 4%. Agora são 16%. Essa mudança começa na década de 80 e um dos fatores disso é que com o fim da ditadura muitos atores vieram para a esfera pública: minorias como o feminismo, grupos LGBT e os próprios pentecostais. Eles começam também a se organizar e a querer participar dessa nação enquanto cidadãos. A Universal criou já no inicio dos anos 90 uma estrutura para distribuir as candidaturas, por bairros. Os candidatos não competem nos mesmos bairros. Eles foram criando uma forma de fazer política que foi atuando quase como um partido. Era uma estratégia muito ousada, que começou a ser adotada por diferentes grupos religiosos que competem entre si.

P. A competição entre os grupos é muito grande?

R. Muito grande. Eles se unem em alguns momentos, mas competem entre si de forma muito intensa. O que dificulta, por exemplo, a união nos momentos de campanhas majoritárias, como é a para a presidência da República.

P. Por isso não lançam um candidato único?

R. As alianças vão ser com diferentes grupos para garantir o seu quinhão. Neste sentido há um pragmatismo muito grande neste grupo que se alinha com o pragmatismo das lideranças partidárias. Elas querem votos, então levam o pastor para se candidatar dentro da sua sigla. Os partidos se abriram para esses grupos religiosos, atraíram essas figuras. Os pentecostais não entraram na política sem serem convidados. Foram estimulados pelos partidos, porque eles têm as igrejas abertas, gente para fazer propaganda. Locais para o candidato encontrar milhares de pessoas para ouvi-los. Esses candidatos vão para os cultos, se apresentam em um cenário onde não existem mais comícios. A redemocratização e os interesses dos partidos em ter acesso às camadas populares abriram as portas ou fizeram com que fosse possível que estes grupos entrassem para a cena política. O que expressa uma certa democratização da política brasileira. Não é de todo mal. Existem novas lideranças, mas que não foram formadas nas passeatas, nos movimentos sindicais ou no movimento estudantil. Foram formadas dentro das igrejas.

P. No campo nacional eles se alinharam ao PT, partido muito diferente ideologicamente, nas últimas eleições. Por que.

R. Eles foram apoiar o Lula em função do que tinha no momento. Antes de Lula era o Fernando Henrique Cardoso. As análises mostram que durante o Governo FHC houve um certo investimento da Receita Federal em esclarecer algumas coisas da Universal e isso fez com que houvesse um certo deslocamento da igreja em favor do PT. As outras também se aproximaram muito em função do discurso da ética que o PT tinha no inicio dos anos 2000. Essa guinada para o PT abriu as portas para o partido de uma série de pobres das periferias urbanas das grandes cidades. Para o PT isso foi muito importante. Mas os pentecostais tem uma visão da esquerda muito negativa. E o Lula ao mesmo tempo que tinha alianças com os pentecostais tinha com feministas e LGBT. Da mesma maneira que ele conseguiu fazer com que avançassem muito várias bandeiras feministas, com audiências publicas para discutir aborto, o Programa Nacional de Combate à Homofobia, as conferências nacionais do grupo LGBT, isso gerou uma insatisfação muito grande e os pentecostais vão se afastando de Lula. É um afastamento gradativo que se apresenta de uma forma mais forte em 2014.

P. É possível um candidato majoritário se eleger sem o apoio dos religiosos ou evangélicos?

R. Hoje eles têm um número muito grande na sociedade e algum apoio de evangélicos o candidato tem que ter. Agora, construir consenso neste campo é muito difícil.  Eles se dividem e apoiam diferentes pessoas. Na próxima eleição eles devem se dividir entre Bolsonaro, Marina e Alckmin.

Em El Pais - Talita Bedinelli - São Paulo 

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