domingo, 24 de dezembro de 2017

Internet... Redes sociais... Tô fora! Um beijo ou um abraço?

É uma reflexão muito boa, e oportuna, nestes tempos ‘bicudos’ como se diz, que tornou a internet/redes sociais uma perfeita casa de ‘mãe joana’, para usar outro dito popular, e seus reflexos (<-->), mais óbvios impossível, em nosso cotidiano, relacionamentos...

Só lendo, mesmo, pra conferir. Vale à pena!
Um beijo ou um abraço?
Pertenço a uma geração que foi atropelada pela tecnologia e obrigada a repensar cada etapa do aprendizado e das sociabilidades formais. Já no início deste milênio não conseguia convencer a mais de um jovem que usar um boné dentro da sala de aula demonstrava grosseria e falta de respeito. O boné havia-se tornado um acessório de moda e não mais a peça utilitária de vestuário que nos protegia do sol.

A massificação do vestuário e a glamorização de peças que antes apenas serviam para nos proteger das intempéries criaram toda uma fauna de gente que usa óculos escuros e bonés em ambientes fechados ou mesmo noturnos, sem a menor noção de que apenas alguns anos atrás isso seria considerado uma grosseria atroz em relação ao entorno social que os recebe.

Eu nem vou entrar no mérito da internet e do distanciamento humano que ela nos impõe, que permite despertar os piores instintos e assassinar diariamente os poucos pruridos de consideração humana que ainda nos restam. Essa é uma briga que já perdemos porque as pessoas gostaram demais de ser grossas, implicantes, prepotentes e arrogantes, vangloriando-se de seus credos e pavoneando-se dando suas opiniões sobre toda sorte de temas que desconhecem. Uma vez aberta a caixa de pandora, só nos resta conformar-nos com os poucos e ralos aspectos positivos da interconexão mundial.

Nesse sentido, não adianta nada lamuriar-se de que as pessoas já não usam “por favor”, “com licença” e “obrigado”, ou lamentar a proliferação de notícias falsas e mentirosas. Estamos diante de uma pseudorrealidade em que as pessoas já não precisam nem da polidez e nem da honestidade, mas apenas da reafirmação reconfortante de suas certezas mais íntimas e de seus medos mais atávicos. E isso porque até seus medos (quem temem e o porquê de seus temores) é parte de sua identidade e a sociabilidade moderna dispensa o coletivo para reforçar identidades, egos e necessidades individuais.

O reconhecimento do indivíduo, que deveria liberar-nos de levar uma vida de gado, hoje nos torna pasto para as grandes corporações, enquanto vivemos a armadilha do falso protagonismo social.

E a internet, que é maior celeiro de antimarxistas de que tenho conhecimento, é também a maior evidência de que algumas das chaves interpretativas da História, pensadas pelo bom e velho Marx, ainda dão perfeitamente conta da realidade e estão mais vivas que nunca. Como o conceito de modos de produção, que especifica que as revoluções tecnológicas são responsáveis por alterações significativas no processo civilizatório e que impactam a cultura humana de tal modo que chegam ao ponto de definir-nos enquanto sociedades com historicidade e temporalidade específicas. Está acontecendo conosco neste momento.

A revolução tecnológica que permitiu essa modificação nos processos de comunicação e interlocução, também permitiu que a economia se transferisse para o meio virtual e que o capitalismo passasse a gerar lucro sem precisar das forças e dos meios produtivos. A concentração brutal de renda, que essa alteração na circulação financeira produziu, hoje impacta os sistemas políticos e ameaça destruir estados nacionais e práticas de cidadania que foram grandes conquistas e permitiram mais de um século de produção e expansão do conhecimento crítico. E a velocidade que transfere fortunas a paraísos fiscais e permite que nações inteiras sejam arruinadas em poucas horas, também se tornou responsável pelo fim iminente da civilidade, uma vez que a premência da vida não dá lugar a gentilezas ou gestos de reconhecimento do outro.

Somos ilhas. Ilhas conectadas em rede mundial. Mas pateticamente desabitadas.
E o modo como expressamos nossos afetos e amizades diz muito sobre essa pós-modernidade que se abateu sobre nós. Não que eu tenha qualquer simpatia ou interesse por esses fenômenos e seus analistas e defensores, sou um anacronismo que já não tem espaço neste tempo. Pertenço a uma linhagem dialética perdida em um mundo digital, que prescinde da interlocução em favor do protagonismo.

E é por isso que este texto é uma espécie de despedida. Da mesma forma que o canal no YouTube, o programa na Rádio Noroeste e a página Cantinho da História no Facebook já cumpriram sua função, este blog também já alcançou seu objetivo e chegou a hora de seguir meu caminho. Outros caminhos me aguardam, mas não posso continuar teimando em uma bolha minúscula com a ilusão de que o ativismo virtual vai evitar a derrocada do Brasil e a extinção da educação como a conhecemos.

As hordas da barbárie social estão à porta e é necessário redefinir as ferramentas para a luta e parar de perder tempo nesta bolha egocêntrica da internet.

E é aqui que eu explico o título deste derradeiro texto. Eu não gosto de beijos porque a banalização da falsa familiaridade social os transformou em um roçar burocrático que mal expressa qualquer coisa além de um cumprimento protocolar. Também tenho dificuldade de lidar com aquelas pessoas que não sabem apertar as mãos e nos oferecem uma extremidade informe, gelada e úmida que não corresponde ao aperto e ainda nos deixa com a sensação de que estamos constrangendo o interlocutor com a nossa força.

Eu sou dos abraços. Dos abraços que envolvem (não daqueles demonstrativos de masculinidade que, embora ruidosos de tapas nas costas, guardam um ou dois centímetros por onde a luz da heterossexualidade escoa em segurança), que estreitam, que confortam. Sou dos abraços que manifestam a presença humana, o carinho a estima e a consideração num simples gesto.

E é por isso que, em um mundo em que não me reconheço mais, eu prefiro bater em retirada, deixando a vocês o meu abraço fraterno mais sincero, sentido e carinhoso. Meu trabalho vai permanecer na rede para quem precisar, mas eu não estarei mais tão disponível quanto fiquei nestes últimos anos. Agradeço a todos pela companhia nesta caminhada e espero sinceramente que consigamos superar estes tempos sombrios e aziagos.

We shall overcome!


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