É uma reflexão muito boa, e oportuna, nestes tempos
‘bicudos’ como se diz, que tornou a internet/redes sociais uma perfeita casa de ‘mãe joana’, para usar outro dito popular, e seus reflexos (<-->),
mais óbvios impossível, em nosso cotidiano, relacionamentos...
Só lendo, mesmo, pra conferir. Vale à pena!
“Um beijo ou um abraço?
Pertenço a
uma geração que foi atropelada pela tecnologia e obrigada a repensar cada etapa
do aprendizado e das sociabilidades formais. Já no início deste milênio não
conseguia convencer a mais de um jovem que usar um boné dentro da sala de aula
demonstrava grosseria e falta de respeito. O boné havia-se tornado um acessório
de moda e não mais a peça utilitária de vestuário que nos protegia do sol.
A
massificação do vestuário e a glamorização de peças que antes apenas serviam
para nos proteger das intempéries criaram toda uma fauna de gente que usa
óculos escuros e bonés em ambientes fechados ou mesmo noturnos, sem a menor
noção de que apenas alguns anos atrás isso seria considerado uma grosseria
atroz em relação ao entorno social que os recebe.
Eu nem vou
entrar no mérito da internet e do distanciamento humano que ela nos impõe, que
permite despertar os piores instintos e assassinar diariamente os poucos
pruridos de consideração humana que ainda nos restam. Essa é uma briga que já
perdemos porque as pessoas gostaram demais de ser grossas, implicantes,
prepotentes e arrogantes, vangloriando-se de seus credos e pavoneando-se dando
suas opiniões sobre toda sorte de temas que desconhecem. Uma vez aberta a caixa
de pandora, só nos resta conformar-nos com os poucos e ralos aspectos positivos
da interconexão mundial.
Nesse
sentido, não adianta nada lamuriar-se de que as pessoas já não usam “por
favor”, “com licença” e “obrigado”, ou lamentar a proliferação de notícias
falsas e mentirosas. Estamos diante de uma pseudorrealidade em
que as pessoas já não precisam nem da polidez e nem da honestidade, mas apenas
da reafirmação reconfortante de suas certezas mais íntimas e de seus medos mais
atávicos. E isso porque até seus medos (quem temem e o porquê de seus temores)
é parte de sua identidade e a sociabilidade moderna dispensa o coletivo para
reforçar identidades, egos e necessidades individuais.
O
reconhecimento do indivíduo, que deveria liberar-nos de levar uma vida de gado,
hoje nos torna pasto para as grandes corporações, enquanto vivemos a armadilha
do falso protagonismo social.
E a
internet, que é maior celeiro de antimarxistas de que tenho conhecimento, é
também a maior evidência de que algumas das chaves interpretativas da História,
pensadas pelo bom e velho Marx, ainda dão perfeitamente conta da realidade e
estão mais vivas que nunca. Como o conceito de modos de produção,
que especifica que as revoluções tecnológicas são responsáveis por alterações
significativas no processo civilizatório e que impactam a cultura humana de tal
modo que chegam ao ponto de definir-nos enquanto sociedades com historicidade e
temporalidade específicas. Está acontecendo conosco neste momento.
A revolução
tecnológica que permitiu essa modificação nos processos de comunicação e
interlocução, também permitiu que a economia se transferisse para o meio
virtual e que o capitalismo passasse a gerar lucro sem precisar das forças e
dos meios produtivos. A concentração brutal de renda, que essa alteração na
circulação financeira produziu, hoje impacta os sistemas políticos e ameaça
destruir estados nacionais e práticas de cidadania que foram grandes conquistas
e permitiram mais de um século de produção e expansão do conhecimento crítico.
E a velocidade que transfere fortunas a paraísos fiscais e permite que nações
inteiras sejam arruinadas em poucas horas, também se tornou responsável pelo fim
iminente da civilidade, uma vez que a premência da vida não dá lugar a
gentilezas ou gestos de reconhecimento do outro.
Somos ilhas.
Ilhas conectadas em rede mundial. Mas pateticamente desabitadas.
E o modo
como expressamos nossos afetos e amizades diz muito sobre essa pós-modernidade que
se abateu sobre nós. Não que eu tenha qualquer simpatia ou interesse por esses
fenômenos e seus analistas e defensores, sou um anacronismo que já não tem
espaço neste tempo. Pertenço a uma linhagem dialética perdida em um mundo
digital, que prescinde da interlocução em favor do protagonismo.
E é por isso
que este texto é uma espécie de despedida. Da mesma forma que o canal no
YouTube, o programa na Rádio Noroeste e a página Cantinho da História no
Facebook já cumpriram sua função, este blog também já alcançou seu objetivo e
chegou a hora de seguir meu caminho. Outros caminhos me aguardam, mas não posso
continuar teimando em uma bolha minúscula com a ilusão de que o ativismo
virtual vai evitar a derrocada do Brasil e a extinção da educação como a
conhecemos.
As hordas da
barbárie social estão à porta e é necessário redefinir as ferramentas para a
luta e parar de perder tempo nesta bolha egocêntrica da internet.
E é aqui que
eu explico o título deste derradeiro texto. Eu não gosto de beijos porque a
banalização da falsa familiaridade social os transformou em um roçar
burocrático que mal expressa qualquer coisa além de um cumprimento protocolar.
Também tenho dificuldade de lidar com aquelas pessoas que não sabem apertar as
mãos e nos oferecem uma extremidade informe, gelada e úmida que não corresponde
ao aperto e ainda nos deixa com a sensação de que estamos constrangendo o
interlocutor com a nossa força.
Eu sou dos
abraços. Dos abraços que envolvem (não daqueles demonstrativos de masculinidade
que, embora ruidosos de tapas nas costas, guardam um ou dois centímetros por
onde a luz da heterossexualidade escoa em segurança), que estreitam, que
confortam. Sou dos abraços que manifestam a presença humana, o carinho a estima
e a consideração num simples gesto.
E é por isso
que, em um mundo em que não me reconheço mais, eu prefiro bater em retirada,
deixando a vocês o meu abraço fraterno mais sincero, sentido e carinhoso. Meu
trabalho vai permanecer na rede para quem precisar, mas eu não estarei mais tão
disponível quanto fiquei nestes últimos anos. Agradeço a todos pela companhia
nesta caminhada e espero sinceramente que consigamos superar estes tempos
sombrios e aziagos.
We shall
overcome!
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