O secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Steiner |
É uma entidade
que tem um histórico de luta pela democracia, tendo, inclusive, se destacado na
oposição/combate ao golpe de 64 e, finalmente entra de vez na luta contra este golpe de feição pós-moderna, que se implantou,
e se mantém, graças a associação com os meios
de comunicação, velhos conhecidos que controlam os corações e mentes de boa
parte da população.
"Crítica às reformas de Temer, CNBB pretende levar o tema a missas e comunidades.
Reformas como a trabalhista e a previdenciária,
nos moldes propostos pelo governo do presidente Michel Temer (PDMB), podem até
atender aos apelos do mercado,
mas deixam de fora interesses básicos do cidadão – justamente o maior afetado
por elas, e o que menos ou nada foi chamado a participar dessa discussão.
A opinião é da CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil), entidade que, nas últimas semanas, se reuniu com
representantes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e de outras centrais
sindicais no debate por uma agenda de mobilização contra as reformas. No último
dia 23, a confederação divulgou uma nota em que
criticou duramente a reforma previdenciária ao afirmar, por exemplo, que a
proposta defendida pelo governo "escolhe o caminho da exclusão
social".
"Por que não discutir abertamente com a
sociedade temas como esses, mas sem se preocupar em sinalizar apenas para o
mercado, e sim, preocupado com o cidadão? Não é possível, a partir de um
gabinete, determinar o que um cidadão pode ou não", afirma o
secretário-geral da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, 66.
Arcebispo auxiliar de Brasília e desde 2001
secretário-geral da entidade, Steiner falou ao UOL sobre como a representação máxima
dos bispos, de um país ainda de maioria católica, pretende atuar em relação às
medidas defendidas por Temer, seja em posicionamentos oficiais –além de nota do
mês passado, o assunto deve entrar na pauta da Assembléia Geral anual da CNBB,
no final deste mês --, seja em ações práticas nas comunidades eclesiásticas – como,
por exemplo, a abordagem crítica das reformas em missas.
"Não é uma posição político-partidária, mas
política, no sentido da polis, do cuidado de todas as pessoas. É importante que
se debata e que se converse sobre isso. E faremos", afirmou.
Leia, a seguir, a entrevista concedida por
telefone.
*
UOL – Como a CNBB avalia a reforma da previdência defendida pelo
governo do presidente Michel Temer?
DOM LUCIANO STEINER – Temos várias observações que já expressamos aos deputados, por meio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e também ao presidente Michel Temer, mas falamos disso explicitamente em uma nota.
A primeira preocupação é a necessidade de um
debate com a sociedade. Uma reforma dessas não pode ser algo que o Executivo
envie à Câmara e, depois, ao Senado, para que, após, se decida --ainda mais
quando se envolvem milhões de pessoas.
Outra preocupação é sobre quais os dados reais,
qual a dinâmica da Previdência, seja a Previdência Social, seja também a que
envolve os funcionários públicos. É preciso colocar a sociedade a par, porque,
sabendo do que se trata, não se negará a buscar, também, soluções para os
problemas.
E há outra preocupação de que um dos argumentos é
de que essas reformas "precisam sinalizar ao mercado". Ora: é o
mercado que importa ou o cidadão e a cidadã brasileira que são importantes?
E como fica essa reforma em relação aos povos
indígenas? Como ela fica para o agricultor familiar? Os povos indígenas e todas
as pessoas, o Estado tem obrigação de assistir na velhice. Simplesmente colocar
homens e mulheres no mesmo patamar da aposentadoria é não levar em consideração
a jornada dupla ou tripla por parte da mulher. Ela tem algumas
responsabilidades maiores do que tem o homem.
Além disso, exigem determinado tempo de trabalho
mesmo para determinadas profissões que são muito exigentes, como professor. Ou
mesmo o agricultor. Nasci em uma família de agricultores – como esperar que
alguém chegue aos 65 anos [mínimos, para se aposentar] de sol a sol, após uma
vida marcada também por decepções com as colheitas? São várias as questões que
precisariam ser aprofundadas. Mas a maior preocupação nossa é como o Estado
deve cumprir sua responsabilidade com as pessoas idosas, mas também as que se
aposentam e não têm determinada assistência. Também as pessoas que sofrem
acidentes, ou as que nascem com dificuldades de locomoção ou intelectuais.
Por que não discutir abertamente com a sociedade
temas como esses, mas sem se preocupar em sinalizar apenas para o mercado, e
sim, preocupado com o cidadão? Não é possível, a partir de um gabinete,
determinar o que um cidadão pode ou não.
UOL – O senhor sente que se tenta aprovar essas medidas sem que
a sociedade seja ouvida?
STEINER – Essa
não é só uma sensação, é algo real. Tanto que esta havendo manifestações em que
as pessoas querem ser ouvidas, elas querem participar. Acho que todo mundo
entende que haja uma necessidade de determinadas mudanças. Mas não pode ser
algo elaborado por um pequeno grupo. E por que não discutir os
altos salários, as altas aposentadorias? Por que não incluir todo mundo no
debate? Creio que isso é muito importante, porque estamos falando do nosso
futuro.
STEINER – Não estamos falando
dessas bancadas, especificamente. Estamos falando de pessoas que tenham
interesse de facilitar o mercado em detrimento do cidadão. É uma questão ética.
A Constituição Federal de 1988 colocou uma questão muito importante: criou uma
espécie de solidariedade social com a Previdência. Sentimos que essa
solidariedade social dentro dessa nova proposta está sendo rompida.
UOL – E qual o efeito mais imediato desse
"rompimento"?
STEINER – Qual a contribuição
que podem dar, por exemplo, para as pessoas que vivem de uma cultura de
subsistência? Ainda não temos incluídas na Previdência todas as pessoas.
Tivemos o acréscimo de 13 milhões de pessoas que estavam fora da Previdência
Social, mas, com a Constituição, devagar, foram sendo incluídas. Com a nova
reforma, temos a sensação de que elas serão completamente excluídas. Temos
povos indígenas e outros pequenos que ainda não têm contato com a sociedade --e
como serão inseridos? Como essas comunidades distantes, como os quilombolas,
serão inseridas? Existe um corte muito claro da solidariedade social.
UOL – "Mais que apoio político, é preciso apoio
humanitário" às reformas, salientou esta semana o presidente da CUT,
Vagner Freitas, depois de se reunir com a CNBB para falar sobre as reformas em
curso. Na prática, o que isso vai significar?
STEINER – É
preciso apoio humanitário no sentido de haver solidariedade social: o Estado
deve cuidar dos mais frágeis e assistir as pessoas. Se em uma família nasce uma criança que
tenha necessidades especiais, por exemplo, pode ser que, até determinado tempo,
essa família dê conta dessa situação. Se não conseguir, o Estado terá que
suprir, isso é uma questão de humanidade. Mas também é preciso fazer a
diferenciação entre homem e mulher na questão de idade mínima, bem como às
profissões que têm uma exigência maior, e não só pelo aspecto da insalubridade.
Exigir de todos dentro de uma mesma regra demonstra falta de solidariedade
social.
Isso está expresso também no fato de que não se
pode pensar na Previdência apenas como contribuição do trabalhador e da cota
patronal. O Estado, na coleta que faz de impostos, também tem uma obrigação.
Isso eu também chamo de solidariedade social. Não se pode pensar simplesmente
que a contribuição do trabalhador e a cota patronal serão suficientes para
assistir tantas pessoas. É claro que não serão suficientes. É preciso criar
então outros mecanismos que ajudem nessa solidariedade social.
UOL – De que maneira a CNBB considera que é preciso
"movimentar a sociedade" em relação às reformas, como dirigentes da
entidade colocaram, publicamente, nos últimos dias?
STEINER – Debatendo isso, o que
já está acontecendo, hoje, por exemplo, pelo diálogo nas comunidades e nas
audiências públicas em diversos municípios. Buscamos criar consciência e levar
as pessoas a perceberem as dificuldades dessa reforma e propor, de outro lado,
soluções. Não vemos, aliás, nenhum problema de que pessoas se manifestem sobre
isso, publicamente, nas ruas. Aliás, são importantes as manifestações para
que o Congresso e o Executivo percebam que a sociedade está atenta agora, e não
apenas em relação às eleições de 2018.
UOL – O presidente da CNBB, Dom Sergio da Rocha, afirmou em
entrevistas que o tema das reformas precisa ser debatido nas comunidades, mas
deixou a forma como isso será feito a critério dos bispos diocesanos. O senhor
vê com bons olhos um padre abordar criticamente a reforma em uma missa, por
exemplo?
STEINER - Sugerimos aos bispos
para lerem a nota da CNBB [sobre a reforma da previdência] nas missas. Não é
uma posição político-partidária, mas política, no sentido da polis, do cuidado
de todas as pessoas. É importante que se debata e que se converse sobre isso. E
faremos. É importante lembrar, aliás, que a própria lei impõe restrições à
atuação político-partidária dentro das igrejas. Mas abordar questões tão importantes
sobre a questão do trabalho, da previdência, e outras, como aborto, têm a ver
com política, só que no sentido do bem comum. Aqui não se está atacando o
governo, mas se está atacando propostas – e dialogando sobre propostas. Acho
que é bem diferente.
UOL – Há alguma conversa entre a Igreja Católica e outras
religiões sobre essas reformas?
STEINER – Não temos nada
estabelecido nesse sentido, nada oficial, ainda que haja, claro, um diálogo
entre as religiões. Mesmo porque várias igrejas têm tomado essa iniciativa
também e emitido notas, como fizemos.
UOL - Em que ponto se verificou a necessidade de a Igreja chamar
para si essa articulação – lembrando que a CNBB tem se reunido, nos últimos
dias, com entidades como a CUT e outras centrais sindicais?
STEINER – A CNBB é procurada
para debater muitos temas, não se recusa a receber ninguém --inclusive quem tem
posições contrárias. Nesses momentos de maior tensão muitas entidades e pessoas
nos procuram. Claro que isso ajuda a refletir, e tudo o mais. Mas em se tratando
de temas que envolvem os mais pobres e os mais fragilizados, temos nos
manifestado e procurado dialogar com Executivo e Congresso. Sempre temos feito
isso.
UOL - As reformas do governo Temer podem pautar de alguma forma
a Assembleia Geral da CNBB [que acontece de 26 de abril a 5 de maio]? Como será
a participação da entidade, este ano, nos eventos do 1º de Maio, que devem ter
um contorno político forte por conta das reformas?
STEINER – A pauta e os
temas das assembléias são sempre preparados com antecedência; as notas e
manifestações são decididas no início. Mas sempre temos nos manifestado como
CNBB para o 1º de Maio. Certamente acontecerá de novo este ano, da mesma forma
que vai haver uma manifestação dos bispos na assembléia sobre as reformas.
STEINER – Creio
que, em relação à reforma da Previdência e outras reformas, não existe muita
polarização. E acho que a polarização está diminuindo cada vez mais. Existe uma
tensão crescente, mas não na sociedade: é uma tensão no sentido de que
essa reforma, do jeito que está, não deve passar.
Penso que sobre a polarização política, existe
hoje, de um modo geral, mais possibilidade de diálogo.
Se
gostou deste post subscreva o nosso RSS Feed ou siga-nos no Twitter
para acompanhar nossas atualizações
*
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Olá!
Bem vindo, a sua opinião é muito importante.