sábado, 2 de dezembro de 2017

O panoptismo e redes sociais... O ‘saldo’ de estar constantemente conectado

A criação, e sucesso incontestável, das redes sociais veem ao encontro desta “necessidade do sistema” de garantir o controle da população, pois, o que antes era feito de forma mais complicada, diríamos assim, hoje é tranquila e ‘doada’ espontaneamente pelos cidadãos/usuários que não têm a mínima ideia do que fazem, ou do que é feito com a informação que franqueia.

O saldo mínimo seria funcionar como subsídios para fundamentar a “necessidade” de cortes das liberdades civis.
“O panoptismo de estar constantemente conectado às redes sociais
O panoptismo de estar constantemente conectado às redes sociais. Entevista especial com Olaya Fernández Guerrero

O panoptismo de estar constantemente conectado às redes sociais. Entevista especial com Olaya Fernández Guerrero

noção de panoptismo, discutida por Foucault há 40 anos, “permite compreender muitas das situações que vivemos atualmente em nossas sociedades, nas quais, sob o pretexto da segurança global, intensificaram-se as medidas de vigilância e controle que se aplicam sem exceção a toda a população e que, às vezes, implicam um corte preocupante das liberdades civis”, diz a filósofa Olaya Fernández Guerrero à IHU On-Line, na entrevista a seguir, concedida por e-mail.

Segundo Olaya, as novas tecnologias da informação e comunicação têm reforçado “essa visibilidade constante e permanente que tem muito de panóptico”. Nas sociedades atuais, pontua, é possível identificar duas modalidades de panoptismo.

A primeira é baseada na vigilância à qual todos os cidadãos estão submetidos pelo poder político. A segunda, explica, é mais “sutil” e aceita pelas pessoas, e “se explicita na pulsão de estar constantemente conectados às redes sociais, compartilhando fotos e informações sobre o que estamos fazendo em cada momento. Este tipo de panoptismoacaba sendo muito poderoso e às vezes acaba gerando nos indivíduos um comportamento viciante e uma dependência das redes sociais que é preocupante, particularmente entre a população mais jovem; por essa razão, é urgente desenvolver uma visão crítica em relação a esse outro panoptismo que está invadindo as nossas vidas”, defende.

Olaya Fernández Guerrero é doutora em Filosofia e professora na Universidade de La Rioja, na Espanha. Recentemente ela esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, proferindo a palestra O Poder e o panoptismo da cidadania em Michel Foucault. A íntegra da conferência pode ser vista aqui.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em que sentido a ideia de panoptismo, desenvolvida por Foucault, explica as relações de poder, controle e vigilância nas sociedades atuais? Como essa ideia ajuda a entender o nosso tempo?

Olaya Fernández Guerrero - A noção de panoptismo, que aparece nos textos que Foucault escreveu há 40 anos, permite compreender muitas das situações que vivemos atualmente em nossas sociedades, nas quais, sob o pretexto da segurança global, intensificaram-se as medidas de vigilância e controle que se aplicam sem exceção a toda a população e que, às vezes, implicam um corte preocupante das liberdades civis.

IHU On-Line - Quais diria que são os exemplos concretos da manifestação do panoptismo nas sociedades atuais?

Olaya Fernández Guerrero - Atualmente, encontramos muitos elementos que estão estreitamente vinculados ao olhar vigilante e hierárquico, o que é uma das principais características do panoptismo. A instalação de câmeras de segurança em espaços públicos, o controle das comunicações através da internet ou a moda de fazer ‘selfies’ e compartilhar essas fotografias nas redes sociais são alguns exemplos que ilustram esse panoptismo contemporâneo.

IHU On-Line - Por que na nossa época o panoptismo é ainda mais forte e evidente do que na de Foucault?

Olaya Fernández Guerrero - As causas da ascensão do panoptismo são muito diversas. Entretanto, um dos fatores que mais contribuíram para essa mudança são as novas tecnologias da informação e comunicação, que têm uma presença crescente na vida cotidiana dos indivíduos e que reforçam essa visibilidade constante e permanente que tem muito de panóptico.

IHU On-Line - Como essa ideia de panoptismo cria uma nova concepção de sujeito?

Olaya Fernández Guerrero - Os diversos dispositivos panópticos acabam fazendo parte dos processos de criação de subjetividades e transformam-se, além disso, em elementos mediadores das nossas relações sociais e interpessoais. O próprio Foucault já escreveu sobre esta questão, identificando a sociedade contemporânea como uma sociedade disciplinar na qual o dispositivo panóptico cumpre um papel muito importante, uma vez que submete os indivíduos a uma vigilância total e invasivaque acaba produzindo uma interiorização das normas e uma ampla adaptação aos padrões de conduta que a sociedade estabelece para regular cada aspecto de nossas vidas.

IHU On-Line - Como a categoria de povo se relaciona com essa ideia de panoptismo?

Olaya Fernández Guerrero - No contexto do panoptismo, o povo, ou melhor, a cidadania, perde parte da sua autonomia e liberdade de ação e transforma-se em uma coletividade administrada e vigiada, submetida a um regime de visibilidade em que todos, e cada um dos indivíduos, estão sujeitos à supervisão e são colocados sob suspeita.

IHU On-Line - Como a senhora compreende, de um lado, a crítica ao panoptismo e, de outro, o uso que as pessoas fazem, por exemplo, de espaços de vigilância como o Facebook?

Olaya Fernández Guerrero - Existem pelo menos dois tipos, duas modalidades, de panoptismo: uma delas é o panoptismo baseado na vigilância e no controle a que estão submetidos todos os indivíduos pelos poderes políticos, pelas forças de segurança etc., e que é difícil contornar. Este panoptismo é mais fácil de identificar e muitas pessoas adotam uma postura crítica em relação a ele.

Mas, nas sociedades atuais, surgiu também outra forma de panoptismo mais sutil, ao qual muitos indivíduos aceitam (aceitamos) se submeter voluntariamente, e que se explicita na pulsão de estar constantemente conectados às redes sociais, compartilhando fotos e informações sobre o que estamos fazendo em cada momento.

Este tipo de panoptismo acaba sendo muito poderoso e às vezes acaba gerando nos indivíduos um comportamento viciante e uma dependência das redes sociais que é preocupante, particularmente entre a população mais jovem; por essa razão, é urgente desenvolver uma visão crítica em relação a esse outro panoptismo que está invadindo as nossas vidas.

IHU On-Line - O que seria uma alternativa ou uma resistência ao modelo de controle, vigilância e poder advinda da ideia de panoptismo? Como romper com esse modelo?

Olaya Fernández Guerrero - Para começar a propor opções de resistência, a primeira coisa a se fazer é identificar quais são os dispositivos de controle e vigilância aos quais estamos submetidos, e a partir daí desenvolver uma perspectiva crítica e refletir sobre as maneiras mais efetivas para contornar aqueles modos de controle e vigilância que nos pareçam mais negativos. Na minha opinião, o mais adequado é realizar práticas de resistência de caráter concreto e contextualizado, que devem ser desenvolvidas no âmbito das atividades cotidianas de cada indivíduo.

IHU On-Line - Quais são os exemplos de resistência ao panoptismo hoje?

Olaya Fernández Guerrero - Em relação ao panoptismo ao qual somos submetidos pelos poderes públicos, penso que é importante continuar a questionar o discurso da segurança global, uma vez que em muitos casos este é utilizado como justificativa para cortar as liberdades civis e aplicar modelos de vigilância que são inaceitáveis do ponto de vista ético. Também é preciso fazer um uso mais responsável das redes sociais e, desse modo, evitar contribuir para esse panoptismo ‘voluntário’, ao qual acabamos cedendo cada vez que compartilhamos imagens e informações pessoais nas redes sociais, e que contribui para essa ‘visibilidade total’ e nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de constante escrutínio e sujeição ao olhar alheio.

Por Patricia Fachin
No IHU Online


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